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28 de abr. de 2021

Verity: bom suspense, com fortes doses sexuais.

Tudo começa muito brando, simplesinho, parece até mais um pobre roteiro de novela de televisão. E, num crescendo, o livro Verity, da dramaturga texana Colleen Hoover, vai se transformando num autêntico e vigoroso thriller psicológico. É sua estreia no gênero suspense.
Com linguagem bastante sucinta e objetiva, sem arroubos de qualidade literária, Hoover leva o leitor para situações corriqueiras, mas de profunda complexidade psicológica, de forma ritmada, gradual, numa tensão perturbadora de expectativas. A autora explora magistralmente as condições e perturbações psicológicas dos personagens. Aos poucos, aqueles leitores mais ansiosos podem até entrar em desespero.

São magistrais as sequências e sobreposições de cenas fortes. E, ao tempo em que a autora desenvolve a permanente tensão do livro e constrói excelentes personagens, premia explicitamente aqueles adeptos de fortes emoções sexuais com frequentes descrições de relações para lá de íntimas.

Com um pensamento de uma das protagonistas, Hoover acaba expondo uma síntese desta sua obra: “O que espreita a mente pode ser tão perigoso quanto as ameaças da vida real”. E, assim, nesse clima a leitura flui com facilidade, mas passa a não convencer quando vai chegando ao seu final, com pontas da história ficando soltas e estranhas. Para mim, apesar de surpreendente, o final é repentino demais e deficiente, como se a história vá ter alguma continuidade.

Realmente aí somente a sua imaginação ou a própria autora para responder.

Valdemir Martins

21.04.2021 

Fotos: 1. capa do livro; 2. a protagonista; 3. o passeio de barco; 4. Coleen Hoover.

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17 de abr. de 2021

Sobre a Terra Somos Belos por um Instante *****

Pense em como você escreveria uma carta para a sua mãe, viva ou falecida, relembrando a vida em comum, o cotidiano compartilhado, as companhias, os momentos ruins e os bons. Como seria? Ah, e não esqueça que sua mãe não sabe ler.

Aqui, neste caso, teria que dosar sua escrita com boas porções poéticas. Pois estou falando do inebriante romance epistolar do poeta vietnamita-americano Ocean Vuong, em sua obra de estreia como romancista Sobre a Terra Somos Belos por um Instante. Este é o mais recente lançamento da Editora Rocco, celebrado vigorosamente pela crítica internacional, principalmente a norte-americana. E você só vai entender esse título após concluir a leitura da obra.

Uma leitura prazerosa que nos faz lembrar, em certas passagens, situações similares ou próximas de algumas que também vivenciamos com nossa família. Mas, certamente, não as escreveríamos em qualquer carta. Mas Vuong, num trabalho autobiográfico, consegue valorizá-las entremeando passado e presente, num misto de narrativa literária com carta-narrativa. Traz à luz vidas diferenciadas, de mundos díspares, e coloca em cheque como podemos curar e resgatar uns aos outros sem deixar de ser o que somos.

Seu texto é esplendoroso. Sem contestações: “Acordo com o som de um animal aflito. O quarto tão escuro que nem sei dizer se meus olhos estão abertos. Uma brisa passa pela janela rachada, e com ela entra a noite de agosto. ...Eu me equilibro no ar negro e vou rumo ao corredor.”

Sua crítica social é suave, ao tempo que ferina e realista, principalmente no contexto da Guerra do Vietnã, seus sobreviventes e interação com os jovens soldados americanos, quase meninos, e a vida de imigrantes na América. Trata do preconceito racial e religioso ao relembrar para a mãe suas passagens como “invisíveis” aos olhos americanos por não falarem o inglês corretamente. Versa sobre perdas; perdas terríveis. Sobre aprendizados e conquistas, lentas, suaves e profundas.

Passagens magistrais serão inesquecíveis, como o trabalho de manicure numa senhora amputada, ou o porquê crianças vietnamitas são chamadas por nomes terríveis. Ou, ainda, a importância da palavra “desculpe”. E alguém se encontrando e encontrando alguém numa fazenda de tabaco. Ou, emocionantemente, a volta de um feto num sonho.

De forma bastante criativa, de repente Vuong narra um fato diferente, estranho ao assunto que vinha abordando e, num jogo de palavras em transição, vai desvendar a dessemelhança numa ligação de história inesperada. Uma técnica literária difícil e rara, mas extremamente encantadora. Assim como ele trabalha os jogos de palavras como trocadilhos de ideias que se completam. Literariamente brilhantes, pois este é um livro para as pessoas sensíveis ou dispostas a sê-lo.

Em mais uma incrível sacada, no terço final da obra, para nos fazer crer que o texto foi escrito por um drogado, vários trechos parecem-nos incompreensíveis, como se resultasse realmente da escrita elaborada sob o efeito de narcóticos. Se assim não for. Apesar de o sexo ser tratado com poesia, transmuta-se em algo que poderia ser violento, mas é apenas colocado aqui como algo verdadeiro e fortuito. Descrições explícitas de atos em exageros de detalhes – até escatológicos - maculam a obra apenas por destoar de seu contexto geral.

Assim, como num grande poema, sua especialidade, Ocean Vuong, a grande revelação literária americana, brinda-nos com um pequeno compêndio de contos de sobrevivência sempre dos mesmos personagens. A sobrevivência no cotidiano. Os destroços e os resumos de um sonho.

Exatamente isso. Sobre a terra somos belos por um instanteUma obra diferente, encantadora. Nos limites da linguagem.

Valdemir Martins

18.04.2021

Fotos: 1. Capa do livro; 2. Fugitivos do Vietnã; 3. Fazenda de tabaco; 4. Preparo de heroína; 5. Búfalos em queda;  6. O autor Ocean Vuong.

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11 de abr. de 2021

Waterloo: o triunfo da bestialidade humana

Após admirar o meticuloso trabalho de pesquisa histórica e de costumes da obra literária do competente e brilhante galês Ken Follett, deparo-me agora com outro incrível trabalho detalhista e preciso de pesquisa histórica de outro britânico: o livro Waterloo, do veterano londrino Bernard Cornwell. Este é seu primeiro trabalho de não ficção, publicado em 2014, tratando da batalha que derrotou, definitivamente para a história, o imperador francês Napoleão Bonaparte.

Afastando-nos da simplicidade inconclusa da publicidade do livro que diz “A história de quatro dias, três exércitos e três batalhas”, podemos destacar a complexidade dessa história real proporcionada por Cornwell, apresentando detalhes importantíssimos para se entender um momento histórico ímpar que culminou com a queda decisiva de um dos maiores gênios militar de todos os tempos: o persistente e inabalável Napoleão.

Reflexões estratégicas, imprevistos naturais e do acaso, dramas pessoais, glórias relembradas, o contragolpe de Bonaparte, dramáticas cenas da guerra com e sem batalhas, dentre outros contextos, dão corpo a um bem estruturado texto. O enredo é a própria espantosa história que a competente narrativa de Cornwell revive. O que mais impressiona, em destaque, são a prepotência e arrogância do líder francês e as intermitentes confusões de seus comandados ao não entender explicitamente suas ordens estratégicas.

Esses dois aspectos, predominantemente, aliados à competência, visão e experiência militar – somados a um pouquinho de sorte - do comandante inglês Arthur Colley Wellesley, o Duque de Wellington, além da fidelidade das tropas aliadas da Prússia (Alemanha), Nassau (Holanda) e Bélgica, conduzem quase duzentos mil homens a três renhidos e sangrentos combates campais, tornando-se das mais conhecidas e famosas batalhas da história da humanidade. E Cornwell, fiel à verdade, descreve-as impiedosamente e de forma crescente em detalhes que chocam e impressionam ao mais frio leitor.

Todas as guerras são cruéis. Mas estas batalhas descritas por Cornwell
apresentam-nos características que pouco conhecemos em outras guerras geralmente mostradas em filmes e livros e restritas às primeira e segunda guerras mundiais e às lutas de espadas e flechas de períodos mais antigos. Estas de Waterloo são diferentes devido à utilização basicamente de artilharia de canhões e obuses primários, com munições e técnicas extremamente destrutivas; a cavalaria com espadas e lanças e a infantaria em combates na maioria das vezes corpo a corpo, com sabres, baionetas e lanças e, contra a cavalaria, os mosquetes simultâneos. Imaginem as estratégias para a utilização de tal variedade de destrutivas armas nos momentos apropriados.

O autor utiliza-se de trechos de cartas e depoimentos de participantes de todos os lados desse evento bélico, até reproduzindo alguns trechos cruciais, o que traz bastante realismo e credibilidade à obra.

Após esta leitura, com certeza você irá refletir sobre a estupidez e a bestialidade humanas. Tudo foi real. Não se trata de um filme ou uma narrativa de ficção. A guerra sempre foi a atitude mais irracional e criminosa do ser humano e as batalhas de Waterloo, aqui brilhantemente retratada por Bernard Cornwell, bem atestam essa ignomínia que percorre e entremeia toda a história da humanidade.

Valdemir Martins

10.04.2021 

Fotos: 1. capa do livro; 2. Localização da batalha; 3. Napoleão ; 4. Duque Wellington; 5. Uso de canhões; 6. Batalha na cidade; 7. Bernard Cornwell.

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28 de mar. de 2021

Introdução à Nova Ordem Mundial: um verdadeiro livro de terror

O complexo e obscuro cenário sócio-político no qual vivemos hoje e a constante referência a fatos estranhos e coordenados apresentados por jornalistas e analistas políticos tidos como sérios, levou-me a procurar inteirar-me das principais ações políticas, econômicas e sociais contemporâneas. Descobri, surpreendentemente, existir um movimento de formação, pacientemente lento e gradual, de um governo globalista único. Isso, nos moldes próximos aos nossos apreciados livros de distopias de Huxley, Bradbury, Atwood, Dick, Orwell e Burgess, entre outros, alguns até citados pelo autor no livro que vou comentar.

Por indicações de estudiosos na internet e amigos, cheguei ao alarmante “Introdução à Nova Ordem Mundial”, do brasileiro Alexandre Costa. E na medida em que avança na leitura você se convence que tem nas mãos um livro de terror. Não por sê-lo, mas por narrar os resultados das pesquisas efetuadas pelo autor e suas constatações estarrecedoras. Cada página é um sobressalto.

Costa destrincha, de forma didática – por ser um assunto profundamente complexo -, uma situação que se desenvolve no mundo hoje e como isso acontece em especial em nosso país. Trata-se do movimento internacional denominado Nova Ordem Mundial (NOM), financiado e orientado por grandes banqueiros e empresários (Jeff Bezos, George Soros e os Rothschild e Rockfeller, por exemplo) e por lideranças políticas e sociais de tendência de esquerda (e até islamita).

Segundo Costa, esse poderoso movimento, comandado pelos populares globalistas, dão o tom a todas as tendências e articulações políticas, econômicas e sociais no mundo. Objetivam, utopicamente, um governo planetário, nos moldes das conhecidas distopias literárias e cinematográficas que tratam do tema, como já citamos.

Seus movimentos são financiados por corporações e grandes banqueiros internacionais, fundações bilionárias que se dedicam ao domínio dos “interesses sociais”, e por condutores políticos como a ONU, o Open Society (Soros), o Clube Bilderberger, o Federal Reserch, o movimento Diálogo Interamericano, entre outras corporações poderosas. Assim, mantêm, através do controle financeiro e ideológico de fundações, universidades, partidos políticos e órgão de imprensa, as campanhas eleitorais, de difamação e de aglutinação que lhes interessam.

A NOM encontra respaldo e se utiliza dos movimentos e líderes comunistas, socialistas e tiranos em geral simpatizantes de causas geralmente anarquistas como o aborto, a homofobia, o racismo, a intolerância ao cristianismo, o empoderamento feminino, o controle da internet, a extinção da família e das tradições, entre outros. Um dos recursos mais utilizados, por exemplo, diante da impossibilidade de se refutar uma informação, é a desqualificação. É o meio mais usual dos pérfidos manipuladores, procurando desvirtuar o foco de uma discussão importante que não interessa a seu grupo. A pecha de fake news - ou no bom português, mentira - é o rótulo mais corriqueiro nessa armação abstrusa.

Para não cair no ranço da eterna discussão entre “esquerda” e “direita”, deixo para os próximos leitores e suas simpatias absorverem – ou não - as informações da obra que procuram demonstrar as conexões, objetivos e consequências diretas e indiretas dos fatos apresentados. A velhíssima ideia de um governo mundial (os primeiros indícios remontam ao século XXIII a.C.) toma força e forma na atualidade, segundo o autor. E é disso que trata o livro.

Para Costa, o plano espetacular vem tendo um sucesso grandioso, principalmente nas últimas décadas. E três grandes forças disputam hoje a hegemonia mundial, cada um por si, mas utilizando suas “fundações”, trilhando as mesmas estratégias e, consequentemente, intensificando as maquiavélicas acrobacias para transformar a visão e a consciência das pessoas para seus objetivos.

Segundo ele, “O abandono de antigos valores tradicionais e a aceitação de um novo modelo de sociedade tem sido o objetivo das fundações há muitas décadas. Elas se utilizam de uma rede de organizações praticamente impossível de rastrear, são centenas de organizações internacionais, que por sua vez financiam milhares de organizações menores e assim por diante, afunilando até chegar à verba que paga a bandeira e a camiseta do ativista que pensa estar protestando contra “o capital”.

Por meio de dissimulações ensinadas pelo italiano Antonio Gramsci, que vão da ecologia aos direitos humanos, estão implantando todos os princípios históricos do ideal coletivista. Um dos mais inteligentes estrategista do movimento, o húngaro György Lukács, usa o pensamento de Kant, as técnicas de Hegel e a filosofia marxista para sugerir aos engenheiros sociais a elaboração das armadilhas que dão robustez à ação dos globalistas.

A informática, a telefonia celular, o rádio e a TV, os satélites, a internet e a comunicação de massa, via aplicativos e redes sociais, constituem-se no melhor ambiente dos recursos necessários para formalizar ideias de controle social, permanentes e graduais, que foram impossíveis de ser aplicadas quando idealizadas por algumas mentes sombrias desde o século XIX.

Há décadas a população é “catequizada” subliminarmente e hoje, como gado, segue os preceitos e preconceitos dos tais poderosos globalistas. O conteúdo utilizado com estas técnicas, no entanto, deriva do surgimento das ciências de persuasão, condicionamento, manipulação e lavagem cerebral, que assim como estas tecnologias, são produtos da modernidade. O que faz desses pretensos tiranos serem muito mais poderosos do que qualquer um dos seus antecessores que tentaram usar a força bruta.

Realmente ler este livro é perturbador e sem volta. Você nunca mais será o (a) mesmo (a).


Valdemir Martins

30.03.2021 

Fotos: 1. capa do livro; 2. Federal Research; 3. ONU; 4. Fundação Rockfeller; os líderes Xi Jinping e Putin; Reunião do Foro de São Paulo; José Dirceu; Gramsci; pichação; o autor Alexandre Costa.

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14 de mar. de 2021

Acenos e Afagos: uma epopeia libidinal.


Como escreve bem este gaúcho libidinoso. É um texto claro, sucinto, direto e sofisticado. Não fosse o exagero e a persistência homoerótica nesta epopeia libidinal - como define este livro, em certo momento, divertidamente, o personagem-narrador – poderíamos consagrá-lo como mais uma obra-prima de João Gilberto Noll. Acenos e Afagos é um livro perturbador que mexerá com os desejos, segredos e repugnâncias mais íntimas de cada leitor. Ninguém ficará incólume.

Trata-se de uma hábil narrativa, um monólogo interior, num único parágrafo do início ao fim do livro, de angústias e desilusões, como uma torrente, sufocando-nos numa corriqueira história de amor impossível entre um pretenso fazendeiro e um engenheiro amigo de infância. Este, sempre presente – em pensamentos e devaneios eróticos - nos momentos difíceis do personagem-narrador.

Como num livro de memórias seu, Noll tece um enredo de retrospectiva que principia na primeira experiência sexual da infância – engalfinhando-se com o então futuro engenheiro – na sala de espera do dentista, ao terrível som do motorzinho da broca dentária. Passa por inspirada e marcante descrição de uma orgia juvenil em um submarino alemão onde “perde” seu engenheiro que voltará mais ao final do texto, numa divertida passagem, para salvar o narrador com uma respiração boca-a-boca no caixão.

Aliás, o livro tem passagens hilariantes, incômodas e muitas vezes poéticas. Apesar de sua consciência homossexual nunca assumida, o fazendeiro casado e com um filho, é descrito nas relações com sua esposa, nas suas preferências sexuais frustradas, tudo numa linguagem contundente e ao mesmo tempo ambígua. Coisa de gênio que se perde, às vezes, descrevendo situações gratuitas.

Como escreveu Edward Pimenta, o texto “não traz nenhuma inovação formal, mas são claros o domínio técnico de Noll em sua opção narrativa – em primeira pessoa, sua marca registrada - e a habilidade em encadear impressões num maciço fluxo de consciência. Isso é o melhor do romance.”.

Lamentável, apenas, que um escritor brasileiro genial como João Gilberto Noll tenha sido tão pouco divulgado, provavelmente por ter sido ele bastante recluso. Seu legado – ele nos deixou em 2017, aos 71 anos - é imenso, com obras brilhantes como Harmada, Lorde, Solidão Continental, A Céu Aberto, Mínimo Múltiplo Comum, entre outros. A maioria de seus livros foi premiada com Jabutis (cinco), APCA, Portugal/Telecom, entre outros lauréis.

Valdemir Martins

14.03.2021

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23 de fev. de 2021

As Sombras do Mal: um texto do mau.

Autores que partem do estranho para o coloquial é, mais uma vez, a marcante característica de mais uma obra de ritmo alucinante da dupla norte-americana Guillermo Del Toro e Chuck Hogan. Estou falando do livro As Sombras do Mal: As Fitas de Blackwood (vol. 1), recém-lançado pela Editora Intrínseca.

A criatividade superlativa de Del Toro – já demonstrada em O Labirinto do Fauno e A Forma da Água – somada ao suspense consagrado de Hogan já nos brindaram com a fantástica Trilogia da Escuridão. Porém, nesta nova parceria para o que pretende ser uma trilogia macabra, eles tentam nos arrebatar com o pífio enredo sobre um ser maligno ancestral que vaga pela Terra desde o início dos tempos. Isso, entrelaçado aos dramas pessoais de uma insegura agente do FBI.

Um ser etéreo maligno está à solta e pode assumir o corpo de qualquer pessoa. Um gancho incrível para o desenvolvimento de situações fortemente emocionantes e horripilantes. Mas, lamentavelmente, o tema é explorado de forma branda, sem a força que um fato terrível como este pode oferecer.

Por não ter grande abrangência dramática, limitando-se às desgraças pessoais de três protagonistas, o texto patina e não comove. E a obra é uma tremenda decepção. Uma história com fatos sempre previsíveis, muito, mas muito diferente do sempre surpreendente enredo da Trilogia da Escuridão que tanto encantou quem se deleita com esse tipo de histórias.

O que mais nos faz estranhar essa obra é o fato de ser bastante perceptível a falta de contexto e conteúdo para ser um enredo realmente empolgante. Parece até que os autores estavam com preguiça de pensar e escrever, além de uma absoluta falta de criatividade. As situações são bastante improváveis e as soluções patéticas. Um livro puramente comercial, sem valor literário.

Lamentável para um autor, roteirista e diretor da grandeza e do talento do premiado mexicano Guillermo Del Toro.

Se mudarmos o título do livro para “As sombras do Mau” seria mais adequado. Nesta, Del Toro foi mau!

Valdemir Martins

18.02.2021

Fotos: 1. capa; 2. Mortos atacando vivos; 3. A caixa de correio de Manhattan; 4. Guillermo Del Toro

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6 de fev. de 2021

O Terror: realmente, um livro para fortes. *****

Leitores ansiosos e impacientes não devem ler O Terror, primeiro livro do premiado escritor estadunidense de ficção científica e terror Dan Simmons lançado no Brasil. Trata-se de uma caudalosa obra de aventura histórica, baseada em fatos reais, entremeada de uma aterradora fantasia, especialidade de Simmons. 

E não há como escapar: para relatar a torturante e perigosa viagem histórica do capitão inglês Sir John Franklin, em 1845, à procura da cobiçada Passagem Noroeste, que liga os oceanos Atlântico e Pacífico através do Círculo Polar Ártico, há a necessidade de detalhes. E eles são fundamentais para se entender o que deu certo e errado nesta famosa peripécia oficial da Real Marinha Britânica há quase dois séculos.

Entre o certo e o errado, acontece o pior: um ser tenebroso passa a fazer parte dos personagens e intromete-se no enredo, tornando tudo muitas vezes pior do que poderia ser. Isto, numa região inóspita, enregelante, extremamente mutante, onde nem a bússola funciona por estarem quase diretamente sobre o polo magnético, no extremo norte do Canadá. Assim, para o leitor não ficar tão desorientado quanto a tripulação, recomendo abrir o mapa da região na internet e ilustrar-se dos locais de agruras dessa gente. Vale a pena.

Para reconstituir essa história, Simmons enreda-nos numa atmosfera sufocante, congelante e muito, muito escura e obscura, numa época de tecnologia e medicina muito elementares e limitadas. A aflição é permanente. O leitor participa como ouvinte incrédulo das conversas, relatos e reuniões dos comandantes e oficiais das duas reforçadas embarcações Erebus e Terror, as mais fortes para enfrentar o gelo glacial e munidas com os equipamentos mais modernos da época.   

O trabalho de pesquisa histórica, geográfica e científica de Simmons é brilhante, reinventando de maneira original uma das mais sedutoras histórias da exploração marítima no século XIX. Conduz-nos à fascinante narrativa quase lendária do Sir John Franklin, num crescente de suspense, incredulidade e terror. Pela permanente condição de ambiente e situações inóspitas, essa incredulidade é permanente, principalmente para nós de um mundo de tecnologia que se renova a cada hora e por não conhecermos uma atmosfera extremamente gélida como a deste livro.

Simmons não escreve tão bem quanto Jules Verne, mas esta aventura nada deixa a desejar às do consagrado escritor francês, reforçadas pela persistente névoa de terror que envolve o texto. O autor é hábil ao estruturar o enredo, partindo de uma história real documentada em registros oficiais da Marinha Real Britânica e dos diversos diários dos oficiais da expedição. Retrospectivas e belos momentos de recordações, além da fantasia, descontraem e iluminam o que poderia ser um chato relato de viagem. É um incrível livro de aventuras que, superados os 5% mais pesados e iniciais do texto, quem gosta do gênero não consegue largar a leitura.

Porém, próximo à metade do livro, um capitão, em sua condição de abstinência, entra em delirium tremens, com uma sequência aborrecida de visões, desestimulando até a continuidade da leitura. Mas não se engane. A partir daí a obra recrudesce e entra num ritmo alucinante, descortinando efetivamente o terror e o desespero, dominando o leitor com narrativas sufocantes, escatológicas, enregelantes e, enfim, insuperáveis em sua constância de crueldade. Realmente, um livro para fortes.

Depois de muita escuridão ao longo do livro, Simmons brinda-nos com uma linda lenda esquimó, trazendo luz, então, a toda a escuridão que atravessamos na leitura. E um final deslumbrante como uma aurora boreal.

O livro gerou a antológica minissérie de televisão The Terror, do Ridley Scott, que estreou nos Estados Unidos e no Canadá em 2018. No Brasil, pode ser vista no streaming Amazon Prime. Mas, não recomendo a série por ser extremamente condensada, perdendo detalhes riquíssimos do livro e desvirtuando seu enredo. Seu final óbvio, diferente do livro, foi elaborado para pessoas extremamente racionais, sem a beleza que a sensibilidade dos leitores pode desfrutar com o ápice da obra escrita.

Valdemir Martins

03. FEV. 2021

Fotos: 1. Capa do livro; 2. Local da tragédia; 3. O navio Terror encalhado; 4. Capitão irlandês Francis Crozier; 5. A esquimó Silna; 6. Barco salva-vidas com sobreviventes; 7. O autor  Dan Simmons.

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24 de jan. de 2021

O Tigre Branco desencanta a exótica pátria dos sáris coloridos *****

Há cerca de uma década falava-se – e escrevia-se – muito sobre os países emergentes na mídia. E dentre eles, o de maior destaque era a Índia, imenso e tradicional país do ocidente asiático. Assim como no Brasil ou na Rússia, ou mesmo no México, a miséria, a ignorância e a corrupção estão impregnadas na sua história.

Mas que importância tem isso face ao desenvolvimento econômico e tecnológico de um país emergente como a Índia? A força e os interesses dos grupos dominantes mantêm o status quo indiano para aumentar ou manter seu poder. E é isto que o então estreante e desconhecido escritor Aravind Adiga denuncia neste romance único, diferenciado e cheio de humor negro, ironia e realismo cruel, abominável e inescrupuloso. Em O Tigre Branco (2008) a Índia de Adiga desencanta e brutaliza a imagem da exótica pátria dos sáris coloridos, da ioga e da elevação espiritual, por mais força e tradição que tenham seus gurus e líderes iluminados como Ghandhi. A corrupção, por exemplo, escorre entre as letras. 

Sua ficção é real – por mais incongruente que isto possa parecer - extraída da mais honesta realidade de um país dividido socialmente entre o norte da Escuridão, onde um povo quase animal nasce, vive e morre às margens do lodo do Ganges, e o sul da Luz, do desenvolvimento calcado na exploração da miséria e da ignorância. Com Adiga, desmitifica-se e desmistifica-se a Índia: o glamour sobre o brejo.

Numa história de forte ironia e repugnante sarcasmo, o protagonista Balram Halwai relata o trajeto bastante inusitado que percorreu para subir na vida e conseguir se tornar alguém importante no cenário nacional: assassinar e roubar seu patrão. Em cartas dirigidas ao primeiro-ministro chinês, Balram – ou Munna, como era chamado quando menino - revela uma visão crítica aguçada da sociedade indiana e do mundo contemporâneo, e justifica seu crime classificando-o como um ato de puro empreendedorismo. Com cinismo, ele desmonta o mecanismo da própria ascensão social.

O leitor vai se surpreender a cada passo do primoroso romance de estreia do jovem autor indiano Aravind Adiga, vencedor do Man Booker Prize 2008, um dos maiores prêmios mundiais do meio editorial. Não sem motivo, “O Tigre Branco” foi considerado pelos jurados um livro de imenso valor literário e extremamente original, por apresentar aspectos da Índia normalmente ignorados e personagens que revelam um lado humano desconcertante.

Realmente, nada a ver com a bazófia e a mesmice apresentadas no folhetim da Globo (Caminho das Índias) apresentado na época para a maioria inculta do povo brasileiro, onde a autora denota ter pesquisado somente as tradições “sócio-culturais-religiosas” da incrível, inesgotável e incomparável Índia. Ao se falar dela, não se pode pecar por ser breve, principalmente quando se usa o nome do país – apropriadamente - no plural.

O tigre branco é um animal típico do país, raro por nascer um a cada geração, como um albino. O protagonista Balram Halwai é assim designado por sua família e amigos por ser, desde pequeno, uma pessoa diferenciada em sua casta. E ele próprio descobre e assume sua identidade predadora ao visitar e conhecer a fera num zôo local. Como escreveu a revista Veja, “Aravind Adiga constrói um personagem sem caráter, que se torna símbolo extremo de um impulso selvagem de liberdade. Um alerta para os que vivem na luz.”

Segundo Florência Costa, então correspondente de O Globo em Nova Déli, “A Índia que Adiga mostra é feia, inescrupulosa, escura como os apagões diários de horas a fio que atormentam a vida dos indianos nas metrópoles. Muito distante do glamour sugerido na propaganda “a Índia que brilha”, que ganhou o mundo há treze anos.” Aravind Adiga nasceu em Madras, na Índia, em 1974 e, aos 34 anos, escreveu incontestavelmente sobre o que realmente conhece.

Valdemir Martins

23.01.2021

Fotos: 1. Capa do livro; 2. O norte, do lodo; 3. O sul, do progresso; 4. O tigre branco real; 5. o autor Aravind Adiga.

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17 de jan. de 2021

Caixa de Pássaros: a alternativa é enxergar na escuridão ***

Pelo ineditismo da história e pela dificuldade de imaginarmos a situação de nada ver, sem sermos cegos e sem a experiência e o aprendizado desse deficiente visual, o livro de estreia de Josh Malerman, Caixa de Pássaros, sem paradoxismo, tornou-se um best-seller da noite para o dia. Trata-se de um thriller psicológico tenso e quase aterrorizante, que explora a essência do medo. 

Um texto viciante que quando iniciamos não queremos parar, bem no âmago das mais tensas novelas de Stephen King. Apesar de acharmos inicialmente algumas situações um pouco forçadas, a partir do momento em que imergimos na leitura entendemos o porquê de as situações assim o serem. Não há alternativas. Andar e se virar na escuridão auto imposta ou morrer.

Numa narração alusiva, este thriller pós-apocalíptico não perdoa vidas. É massacrante. E não bastasse o terror imposto pelo surto inédito e avassalador, a protagonista e os principais personagens ainda têm que lidar com a falta de confiança um no outro, a insegurança das situações impostas e com os desconhecidos e imprevisíveis aspectos dos sons e movimentos do ar. Coração sempre na boca ou na mão; haja fôlego.

Para salvar a família vale tudo. Só que a protagonista não é desonesta e hostil como a maioria dos sobreviventes. Resta, então, usar a inteligência que terá que prevalecer sobre incidentes, imprevistos, traições, mistérios e desafetos.

Quatro anos depois, com quase todos mortos, surge uma nesga de esperança. Começa então uma nova aventura cheia de percalços, surpresas e terror. A esperança passa a ser o fio condutor.

A escrita de Malerman é literariamente pobre, mas as estruturas do texto e do enredo estão muito bem construídas, com uma linguagem objetiva, sem rodeios e descrições prolongadas. Uma obra dinâmica no melhor estilo de Jo Nesbo e James Patterson.

Não deixe de ver!




Valdemir Martins

16.04.2018

Fotos: 1. capa do livro; 2. violência para sobreviver; 3. procurando alternativas; 4. salvando a família; 5. Josh Malerman

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