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22 de jul. de 2024

O Pacto da Água traz um grande rio literário.

Inebriante! Talvez não seja o adjetivo mais adequado para definir o belíssimo romance O Pacto da Água, do médico e escritor etíope americano Abraham Verghese, um destaque entre os best-sellers campeões do New York Times. Mas, fica difícil escapar dessa definição depois que se inicia a leitura da obra. Você simplesmente não consegue parar.

A água, presente no título, e a medicina inundam toda a obra. E nesse aluvião Verghese revela-se um perito em enredar situações, biografias e histórias. Sem dúvida, trata-se de uma saga familiar, com diversos protagonistas, elaborada numa linguagem direta, descrições precisas, rica na elucidação dos cenários e diálogos dinâmicos, entremeados de colocações poéticas e precisões políticas, históricas e geográficas.

É o enredo de uma família hindu cristã do sul da Índia, marcada por um carma, como acredita ter boa parte das famílias daquela região. O livro desenvolve-se revelando os costumes e diferenças daquela população de forma desenvolta e com o uso dos nomes originais das coisas, entre apetrechos, roupas, comidas, profissões, frutas, peixes, por exemplo.

Após rápida e dramática escala na Escócia, a narrativa prossegue na tradicional cidade de  Madras (hoje Chennai) no Golfo de Bengala, no leste da Índia, com o médico Digby, trazendo uma crítica refinada à colonização inglesa na Índia, embrutecida pelo esnobismo e discriminação da maioria dos britânicos que lá atuaram. Aí surge um médico sueco, que além de competente, surpreende-nos com suas atitudes espiritualistas e humanitárias. E faz o primeiro link entre as histórias dos protagonistas.

Verghese expõe a hoje abominável separação social por castas na Índia, atingindo níveis inacreditáveis de intolerância e preconceito - graças à incivilidade -, condenando as castas inferiores à extrema pobreza e suprema ignorância. A independência da Índia do jugo colonialista britânico e o maligno risco comunista percorre também todo o enredo.

Então, algo inédito e surpreendente: a cena de uma relação sexual absolutamente sublime e nada erótica é outra proeza literária elaborada por Verghese, onde o autor se supera. Como já disse no início, simplesmente inebriante.

Em meio a diversas situações médicas, brilhantemente descritas por Verghese - que é médico -, tornando-as acessíveis aos leigos, dramas passageiros  e até arrasadores desenrolam-se numa atmosfera excepcionalmente humanística que permeia toda a obra. Alguns momentos tristes que nos tocam profundamente podem trazer lágrimas aos olhos, pois ao correr da leitura passamos, involuntariamente, a amar alguns protagonistas e personagens.

Esta obra tem o dom de a cada personagem introduzido no enredo, gerar uma rica figura ou situação que abrilhanta o livro, mantendo-o num alto nível de excelência literária. Personagens fascinantes, diálogos preciosos, informações valiosas, históricas e contundentes constituem o liame e a espinha dorsal da formação da maravilhosa saga. 

Esta obra somada à anterior O Décimo Primeiro Mandamento demonstra que Abraham Verghese já está a merecer alguma premiação literária expressiva e as atenções mais profícuas dos membros do conselho da Academia Sueca do Prêmio Nobel.


Na gíria, um livro gigante; no popular, um livro maravilhoso. Ou seja, uma gigantesca e maravilhosa obra literária, com drama, romance, aventura, poesia, culinária, geografia, artes e muita medicina para os que gostam de uma ótima e inebriante leitura. Imperdível!


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Valdemir Martins

24.05.2024


Fotos: 1. Capa do livro; 2. O Sul da Índia; 3. A predominância dos rios; 4. O elefante amigo da família; 5. As maravilhas de Tamil Nadu; 6. A estação de Madras; 7. As inundações das Monções; 8. Abraham Verghese.


20 de jul. de 2024

Você encara livros "difíceis" de autores consagrados?

Provavelmente, como muitos leitores, já iniciei a leitura de alguns livros, inclusive clássicos, e não consegui evoluir na leitura e parei para tentar continuar depois. Ou abandoná-la. Não há pecado nenhum nisso. Creio convictamente que a leitura tem que ser algo prazeroso, instrutivo e reflexivo. Mas, principalmente, prazeroso.

E a leitura para mim teve princípio numa das obras de Edgar Rice Burroughs, um dos livros do Tarzan. Isso, espontaneamente por volta dos meus 12 anos e sem nenhuma influência de pais, professores ou escola. Li obras que estavam à minha mão, como exemplares da coleção Tesouros da Juventude, e outros como Julio Verne, Defoe e alguns que comprava do jornaleiro.

Então, já no segundo grau, com meus 16 anos, li o “Bom dia, tristeza”, da Françoise Sagan, “O Advogado do Diabo”, do Morris West e “Mila 18”, do Leon Uris, todos por indicação de colegas. Mas, tive dois excelentes professores de Português e Literatura e adentrei no maravilhoso mundo dos bons livros por eles indicados. Parti então para leituras de Machado, Alencar, Azevedo, Camões, Padre Vieira, Cervantes, Lorca e Goethe, entre outros. E não parei mais.

E assim, pelo prazer de ler e, consequentemente, de escrever, criei este blog.

Recentemente, a página Leituras Livres, do Facebook (a qual recomendo), efetuou uma pesquisa sobre a leitura de livros difíceis e sua publicação despertou essas reminiscências acima e uma reflexão sobre o “despertar para a leitura”. E a análise e conclusão dos resultados levaram inevitavelmente ao desfecho de que por aqui não se ensina nem se incentiva a leitura no período fértil de aprendizado, principalmente das crianças. Vejam o teor do que foi publicado:

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RESULTADOS DA NOSSA ENQUETE 'LIVROS DIFÍCEIS'.
Em primeiro lugar, o que é um livro de difícil leitura?
Ouvimos dos nossos leitores algumas expressões reveladoras:
'A leitura não flui'...
'Nomes e expressões estrangeiras '
'excesso de erudição '
'Linguagem cifrada'
'Narrativas não lineares, parágrafos sem começo nem final'
'Experimentalismo do escritor'
'Muita descrição, parágrafos longos'
'Quando a linguagem é muito técnica com termos científicos ou especializados ' (muita gente declarou ter dificuldades de ler o gênero sci-fi)
Entraram na categoria de autores difíceis:
Internacionais: Faulkner, Thomas Mann, Borges, Virginal Woolf, Umberto Eco, James Joyce, Proust, Saramago, Lobo Antunes e até Gabriel García Marquez com 'Cem Anos de Solidão '. Houve até quem tenha citado Dostoievski como uma leitura difícil (Crime e Castigo).
Brasileiros: muitas menções a Guimarães Rosa, ao Machado de Assis (especialmente Memórias de Brás Cubas), aos Sertões de Euclides da Cunha.
Chamou nossa atenção a quase ausência de menções a autores ou autoras mais contemporâneos, da nova literatura praticamente nada.
Numa primeira conclusão, já que nossa amostra foi pequena (cerca de 130 leitores participantes) podemos dizer que talvez não existam livros difíceis, mas uma insuficiência nossa que pode estar em três tipos de situação:
a) não somos treinados na leitura constante;
b) não temos escolaridade nem repertório para ler livros mais complexos;
c) não temos real interesse em determinado tema ou história, nem identificação com determinados autores.
Em todo caso, não é todo mundo que gosta de enfrentar uma leitura desafiadora.
Para este público recomendamos que antes de se deixar seduzir pela propaganda tipo 'o mais vendido', pense em suas próprias motivações: o que busca? O que deseja explorar?
Enfim, quando não temos um real interesse, tudo fica mais difícil.
Leituras Livres (autorizado)

Com certeza vocês vão tirar suas conclusões e muitos vão entender a importância de se incentivar a leitura em casa, seja para os filhos, netos, sobrinhos, afilhados e até as crianças dos vizinhos e amigos.

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Valdemir Martins
20.7.22024

Foto: publicada na postagem do Leituras Livres.