Os eventos que abrem o texto demonstram de imediato, a magistralidade do autor expondo fatos contundentes e avassaladores, iniciando o contexto de desespero que contamina o livro e o leitor de imediato. O desengano e a luta ante as dificuldades físicas, a enfermidade, a velhice, a inaceitável solidão e os sonhos que se desvanecem, erigem mais este impecável trabalho de Coetzee.
A mão salvadora parece ser o amor ou apenas uma paixão, algo que lhe foi inexistente nos seus 60 primeiros anos de vida. Sim, por que esta tem jeito de recomeçar-lhe agora, nesse ponto. Mas, sua paixão lhe traz também inúmeros problemas e o principal deles é uma pessoa absolutamente estranha que se entranha em sua vida. Aqui, Coetzee insere seu alter ego, uma personagem indesejável e que passa a perturbar nossa leitura como um verdadeiro incômodo. Mas, que é, na realidade, uma forma original de o autor abordar questões existencialistas e éticas no desenvolvimento da trama.É aquela pessoa que de repente aparece e interfere insistentemente na vida das pessoas, sempre alertando para tudo que pode acontecer de mal na vida delas. Mas, também, sem deixar de escancarar as verdades. Um ser que será visto como maligno, inesgotável, indestrutível. Mais uma preciosidade nesta obra que nos faz refletir muito sobre valores e escolhas na vida. Necessidades desnecessárias: alternativas impensadas por absoluto deslumbramento e foco em situações, coisas e pessoas erradas. E uma autopunição inconsciente.
Nesta ficção arquitetada sobre a realidade e os sentimentos comuns das pessoas, fica a preleção de que, por pior que seja a situação, sempre há alternativas. Apenas depende de nós encontrá-las e utilizá-las ou não; com inteligência e sabedoria para não corrermos o risco da solidão voluntária, da viver-se fora do próprio tempo, como Marcel Proust, definhando no passado e sobrevivendo pelas memórias.
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Valdemir Martins
28.07.2023
Fotos: 1. Capa do livro; 2. O protagonista na bicicleta; 3. A massagista; 4. J. M. Coetzee.
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