A justiça divina pode ser estranha ou cruel, dependendo do
credo, conforme seus escritos beatificados. Mas, em termos religiosos, Justiça,
via de regra, conota punição. O que dizer, então, da justiça dos homens? Tanto
no Ocidente como no Oriente a Justiça pode, da mesma forma, ser exacerbadamente
rigorosa e irracional ou branda demais e inexistente. Constatações estão aí no
cotidiano e na História.
E quando, então, se trata de fazer justiça com crianças? Nada
muda, a não ser os sentimentos dos adultos quanto ao assunto, encorpando o
exagero ou fragilizando as lições, e raramente se culpando.
O livro O Culpado
(The Guilty One), obra de estreia da escocesa Lisa Ballantyne (2012), arrasta-nos impiedosamente para o aterrador
assassinato de um menininho de oito anos num parque e a suspeita de que seu
amiguinho de onze anos seja seu algoz.
A narrativa é emocionante e envolvente. E num ping-pong com o
pesado julgamento do menino Seb (Sebastian) e o passado turbulento de seu
advogado Danny (David), a autora tem a competência criativa de apresentar, de
forma sempre dissimulada na trama, seus principais personagens e os “crimes”
por eles cometidos.
Todos temos deslises involuntários ou não em nossa existência.
E Lisa sabe muito bem explorar esse fato no desempenho de um policial, um vizinho, um advogado, um jornalista, uma mãe, um pai ou quem quer que seja que
participe da história. O enredo traga o leitor que, inconscientemente, vai
avaliando e julgando as atitudes dos personagens e, sem perceber, comparando
fatos de sua vida com a dos protagonistas.
Trata-se de uma obra profunda na análise psicológica dos
personagens e de uma sociedade extremamente preocupada com aparências e
julgamentos alheios. E isso é demonstrado com força principalmente na atuação
maléfica da imprensa – o que não é novidade - considerando Seb, mesmo antes do
julgamento, um monstro assassino de anjos, demonizando-o e moldando assim a
opinião pública, colocando-a totalmente contra o garoto antes da sentença do tribunal.
Lisa Ballantyne |
David é um reputado causídico com grande experiência em episódios
de delinquência juvenil, mas perturba-se com este julgamento já que muitas
vezes sua meninice invade seus pensamentos conforme os fatos vão progredindo.
Sua infância catastrófica é maravilhosamente apresentada pela autora com
detalhes que mexem na sensibilidade de qualquer leitor.
Essas passagens do passado são muito intensas – assim como o
julgamento de Seb – de uma forma bastante realista e muitas vezes chocante. A
cada passagem estaremos refletindo forçosamente sobre nossos próprios passos
como pais, filhos, professores, vizinhos, colegas, cidadãos. Lisa escava e
exuma nossas culpabilidades, pois se trata de uma obra sobre a culpa. A culpa
de todos nós.
Valdemir Martins
30/6/2019.
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