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27 de jul. de 2021

Um oceano de emoções até o final do livro

Como é bom iniciar uma leitura com reminiscências da infância, no desenrolar de aventuras e agruras infantis, na maioria das vezes comuns a todo adulto. E o escritor britânico Neil Gaiman brinda-nos com maravilhas desse teor em sua exuberante obra O Oceano no Fim do Caminho. Um livro leve, muito bem estruturado e extremamente envolvente.

Sonhos, desejos, temores e crendices infantis são pinceladas na consagrada prosa do autor de forma delicada. Crendices da imaginação infantis e alguns fatos e cenas da meninice de Gaiman tornam-se realidade para construir esta fábula de forma muito criativa, usando até inclusões de interessantes diálogos e reflexões sobre a memória, a vida, a história e o tempo.

Uma bela obra de fantasia infanto-juvenil - com muitas lições para adultos -, onde um menino de sete anos, amigo de uma menina encantada de onze, coloca-se na posição de antagonista aos adultos por ser castigado por seu pai sob a influência de uma nefanda e aterradora governanta. Mas, uma vizinha família imortal, como super-heróis, intercede num protagonismo fantástico tornando a obra ainda mais brilhante.

Muitos leitores vão se sentir impactados por algumas cenas, pois vão trazer de volta reminiscências de sua infância, principalmente com relação a castigos, ameaças, brincadeiras e até desafios e brigas de forma simbólica, mas sempre perturbadoras. São aqueles fragmentos do início da vida que os adultos acabam deixando adormecidos, quase esquecidos, em função do amadurecimento que os leva a outras realidades e preocupações, calando a beleza e a pureza fantasiosas da inocência da época.

Como escreveu Renata Arruda no site O Grito: “O oceano no fim do caminho é uma história juvenil, contada por um adulto com o olhar de uma criança. E é uma delícia.”



Valdemir Martins

23.07.2021

Fotos: 1. Capa do livro; 2. Os protagonistas; 3. O oceano no fim do caminho; 4. As aves predadoras ; 5. Neil Gaiman.

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14 de jul. de 2021

A Barba Ensopada de Sangue e de muita água.

Atraído pelos inúmeros elogios e boas avaliações do romance Barba Ensopada de Sangue, do paulistano – quase gaúcho - Daniel Galera, entrei na dança e viajei à pequena cidade litorânea catarinense de Garopaba, juntamente com o autor e o protagonista da obra que não tem nome.

Não sem motivo o inominável protagonista é assim assentado por Galera na obra. Um personagem à procura de si mesmo e do avô paterno por todo o enredo. Sua deficiência em reconhecer rostos (prosopagnosia) é uma tirada incrível do autor para reforçar a indefinição do protagonista consigo mesmo.

Uma obra grudenta que te impulsiona à leitura incessante, apesar do enredo desenvolvido por espasmos criativos. Não se deixe levar pela sensação de uma obra comum que remete a script de telenovela, pois você foi fisgado pela progressiva preparação que Galera faz para encaminhar suas emoções para um dramático apogeu.


No inverno praiano catarinense você vai experimentar ficar enregelado até os ossos. Num trecho com dias seguidos de chuva você vai sentir-se encharcado, tamanha a força descritiva da narrativa que sincronicamente transforma-se num ápice dramático, e sempre mais dramático. Um feito literário notável do autor que leva-nos incontrolavelmente a não parar de ler. Um primor misto de tragédia, terror e surpresas assustadoras.

Um romance onde não só a barba fica ensopada seja com água das chuvas, da piscina  e do mar, seja de sangue de um protagonista tão recluso em si mesmo que não consegue perdoar, como muito bem tratado pelo autor no final do livro.

Não li ainda outras obras do Daniel Galera, mas percebo neste livro um grande escritor brasileiro, com estilo próprio, um competentíssimo e sério trabalho de pesquisa, incrível elaboração de dinâmicos diálogos, sendo detentor de excelente capacidade de construção de personagens e um texto muito bem estruturado. Um livro para encucar. Recomendo a leitura.

Valdemir Martins

13.07.2021 

Fotos: 1. Capa do livro; 2. Vista de Garopaba; 3. Baleia franca próxima à praia; 4. A piscina de três raias ; 5. O autor em Garopaba.

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29 de jun. de 2021

O Desassossego da Noite invade também os dias.

Familiarizar-se com a família conservadora e extremamente devota. Esta é a primeira tarefa na leitura de O Desassossego da Noite, brilhante livro de estreia da já premiada jovem holandesa Marieke Lucas Rijneveld (29 anos), de texto extremamente elaborado com rico teor literário. Um drama estonteante que quase nos faz chegar às lágrimas e nos arranja ansiedade e profunda tristeza já no primeiro capítulo.

Vencedor do International Booker Prize* de 2020, esta obra moderna, de forte linguagem poética, atravessa-nos emocionalmente, mesmo estando tão distantes dos costumes da área rural dos Países Baixos. É lá que se passa este romance contemporâneo de evocação terna e visceral de uma infância presa entre a vergonha e a salvação.

A partir de um fato assaz marcante, a vida da família altera-se peremptoriamente. E um fantasma passa a pesar e a marcá-la constantemente. Os pais, com seus afazeres e suas crenças, profundamente conservadores e carolas, preocupam-se com quem se foi e deixam de dar atenção aos seus filhos. Estes, por sua vez, se vão afastando lentamente da família para encontrar, no abandono a que foram deixados, estratégias que lhes permitam lidar com a tragédia e sobreviver ao luto, mesmo que isso implique muitas vezes violência e desassossego.

Rijneveld, através de sua protagonista - uma menina de doze anos -, alfineta crítica e sistematicamente, às vezes até com sarcasmo, as considerações religiosas, cobrando sempre resultados dos costumes e mesmices dos crentes, entre eles seus pais e o próprio pastor. Usa com inteligência a argumentação infantil para expressar suas convicções, críticas e pontos de vista sobre os costumes e a sociedade, como o relato de uma criança na voz de um adulto.

Carregado de metáforas e “pensamentos sábios”, como reflete a protagonista, o livro leva-nos a conjecturar sobre as situações cotidianas que vivenciamos. Bule com nosso passado infantil, como uma colher a mexer numa panela, fazendo-o também com nossas crenças, manias e preferências. “As pessoas precisam de problemas pequenos para se sentirem maiores” é um dos exemplos que nos leva à reflexão.

Uma obra para quem aprecia um bom texto e não apenas uma boa história. Um texto muito bem estruturado, que leva à reflexão, às vezes poético, às vezes sarcástico e até necessariamente vulgar, mas com excelência de qualidade literária. Parte de estereótipos infantis para mostrar a importância de se valorizar e apoiar as pessoas e suas fraquezas, as quais, por vezes, levam-nos a atos extremos. Um livro que parte do dramático, passa até pelo cômico e deixa o leitor surpreso, indignado, enojado e muito ansioso.

Este O Desassossego da Noite não tem ainda, até esta data, uma edição brasileira. Li-o numa publicação portuguesa, cujo e-book adquiri pela internet, por recomendação do excelente site literário lusitano Wook. Mas, de qualquer forma, fica aqui minha forte recomendação de leitura.

Valdemir Martins

29.06.21

O International Booker Prize é um laurel que homenageia (e premia com 50 mil Libras) autores e tradutores por uma mesma obra de ficção traduzida para o inglês e publicada no Reino Unido e Irlanda. Neste caso, a tradutora premiada foi a também holandesa Michele Hutchison.

** Se alguém quiser o arquivo do livro em PDF, basta clicar em "Seguir" este blog e solicitar em Contato, no pé desta página.

Fotos: 1. Capa edição portuguesa; 2. Salvamento tardio; 3. Vacas leiteiras; 4. Gado sacrificado devido a aftosa ; 5. Rãs da protagonista ; 6. Marieke Lucas Rijneveld.

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16 de jun. de 2021

As Memórias do Livro são vários livros.

A premiada escritora australiana Geraldine Brooks consegue a façanha de, com uma série de “contos”, formar um grande romance. Em As Memórias do Livro ela engenhosamente narra a história quase verídica – pois é baseada em pesquisas de inúmeros fatos reais – de uma Hagada (narrativa), obra única em sua essência, pois reconta a história do êxodo e relata a sequência de rituais que devem ser feitos na noite do Pessach, a Páscoa dos judeus.

No entanto, trata-se de uma obra sacrílega, pois viola seriamente as leis religiosas ao conter iluminuras, características de livros cristãos. Por ser um trabalho artístico maravilhoso e um opúsculo sagrado medieval, é considerada uma raridade. E o que é mais intrigante, sobreviveu à Inquisição Espanhola, ao regime nazista, à guerra civil na Bósnia e, enfim, a séculos de antissemitismo na Europa. Por último, foi salva, estranhamente, por um muçulmano em Sarajevo. Além de conter um enigma: por que e por quem foi elaborado?

Uma competente conservadora de documentos australiana, com sérios problemas de relacionamento com a mãe – uma respeitada neurologista que sonhava com a carreira médica para a filha – recebe a incumbência da ONU de recuperar o livro. Em seu trabalho acaba envolvendo-se amorosamente com um bibliotecário bósnio e emocionalmente com o filho dele, em estado vegetativo em decorrência da guerra local.

Brooks leva-nos a uma fascinante viagem no tempo para acompanhar a vida dos personagens responsáveis pela história da Hagada em diversas épocas. São histórias independentes, como contos, que basicamente se sustentam e mantêm um liame que no final vai amarrar todo o romance. Impossível parar de ler, pois se aprende muito – e de maneira breve – sobre o judaísmo, a conservação de documentos, culinárias típicas, a censura da Inquisição e sobre os tratamentos médicos no século XVIII.

Brooks comentou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, por ocasião do lançamento do livro (2008), que trabalhou como se fosse repórter para descobrir detalhes saborosos de épocas passadas, como o sabor do vinho, o cheiro do sal e a cor dos cabelos das mulheres. A pesquisa de campo incluiu ainda traçar o perfil da sociedade Bósnia contemporânea, uma vez que Sarajevo é o centro da história.

O resultado, sem dúvida, é este excelente livro que demonstra o talento de Brook para narrativas ricas, envolventes e misteriosas que, apesar de densas, estimulam a leitura contínua também por sua qualidade literária.

Valdemir Martins

16.6.2021

Fotos: 1. capa 1ª edição; 2. o haganá; 3. Conservação de livros; 4. Sarajevo durante a guerra; 5. Geraldine Brooks.

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2 de jun. de 2021

Matéria Escura: nossas escolhas irreversíveis

Tudo começa muito ameno. A tradicional e feliz família norte-americana; o drink no bar com o velho amigo e, de repente, o terror. Assim começa a intrincada ficção científica contemporânea da obra Matéria Escura, do roteirista e escritor americano Blake Crouch, festejado pela crítica principalmente por sua trilogia Wayward Pines, que foi adaptada para a série de televisão pela Fox em 2015.

Uma obra breve, dinâmica, com fatos se sucedendo velozmente. Quando terminar o primeiro quarto do livro Crouch conseguirá deixá-lo tão confuso e atordoado quanto estará o protagonista. Mas aí será tarde. O livro o terá engolido e você não conseguirá se livrar dele. Estará lendo compulsivamente, sem vontade de largar, uma trama brilhante.

Neste momento em que é lançado o computador quântico, celeríssimo, que vai tornar os atuais PCs obsoletos, pois usa a base teórica da mecânica quântica - um território da ciência habitado por partículas subatômicas -, nada mais oportuno que ler esta obra. Este thriller, também célere e de muitas reviravoltas, exige do leitor algum conhecimento científico. Trechos falam de física quântica e multiespaço e não devemos nos intimidar se não entendermos o que estamos lendo por que, a seguir, aos poucos o próprio enredo vai esclarecendo todas as nossas dúvidas. E o livro volta à sua dinâmica.  E, assim, o espaço-tempo passa a dirigir a história, surpreendendo-nos a cada espaço de tempo. 

Uma obra que nos faz refletir sobre os valores da vida, conforme a personalidade de cada leitor. Cada indivíduo atribui valores diferentes de outros às mesmas coisas, aos mesmos objetos e às mesmas situações e circunstâncias. E são valores individualmente incontestáveis, dado que cada um tem sua individualidade; sua forma de ver, interpretar e sentir. E assim, cada um tem sua realidade, seu padrão, suas escolhas. Seu mundo.

A trama, de forma crescente, fica mais complicada para o protagonista, tendo, permanentemente, de fazer escolhas. E aí, começam a prevalecer seus valores morais e seu amor pela família, o que vai ajudá-lo em suas grandes dificuldades. E aqui a obra nos revela forçosamente que reflitamos sobre a importância de nossas escolhas, sempre. E sobre as escolhas que fizemos: “Não posso deixar de pensar que somos mais do que a soma total de nossas escolhas e que todos os caminhos que poderíamos ter trilhado influem de algum modo na matemática de nossa identidade”, proclama o protagonista.

Claro que o livro não é uma maravilha literária, pois sobram pontas soltas ou ausentes. Mas cumpre sua função de fornecer conhecimentos e entretenimento, e de nos fazer pensar e refletir. E, assim, encontrei o encantador mundo da reflexão sobre minhas próprias escolhas. Seriam histórias tão fascinantes e incríveis que eu poderia escrever um livro. O que talvez eu faça.

Valdemir Martins

01.06.2021

Fotos: 1. capa; 2. Drink antes do terror; 3. Injetar para viajar; 4. Um ponto de chegada; 5. O autor Blake Crouch.

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18 de mai. de 2021

Klara e o Sol: talvez todos os humanos sejam solitários.

Em sua mais recente obra Klara e o Sol, o Nobel inglês Kazuo Ishiguro escasseia. Depois de ler seus brilhantes e monumentais O Gigante Enterrado e Os Vestígios do Dia, sente-se que sua caçula carece de Ishiguro e de seus méritos literários.

Numa distopia contemporânea, o livro versa sobre a vida de uma robô, Klara, mais propriamente uma humanoide com inteligência artificial em meio a uma família. Explora o autor essa convivência, apresentando as linhas de pensamento, ações e reações dos seres humanos em diversas circunstâncias e situações, contrapondo às singelas e racionais reações da humanoide a tudo isso em suas vidas em comum, num mundo onde as relações são rasas e descartáveis.

Estará a mediocridade humana – que se acentua a cada década – preparada e capacitada e entender, acompanhar e conviver com as obras da inteligência artificial, resultado do acelerado desenvolvimento tecnológico produzido pelos gênios humanos? Neste livro Ishiguro destaca exatamente as facetas dessa vida em comum, demonstrando que os robôs com inteligência artificial, por não conterem sentimentos, são muito mais assertivos do que os humanos. Em especial, sua protagonista Klara.

Exatamente no início do terço final da obra, o enredo dá uma reviravolta positiva, saindo de um certo marasmo e da simplicidade rotatória de construção da trama, e surpreende-nos com novos personagens e novas e fluentes situações, encaminhando-nos ao crepúsculo do livro. É nesse trecho que descobrimos dois personagens coadjuvantes – mãe e filho – literariamente muito mais ricos que as outras pessoas, por serem absolutamente mais autênticos e compassivos. Também é nesse trecho que um robô faz uma oração por uma menina, fato deslembrado para um humano em todo o enredo, apesar dos inúmeros problemas que enfrentam.

Numa de suas deduções – sempre lógicas – Klara perscruta e conclui que “talvez todos os humanos sejam solitários. Ou pelo menos possam se tornar.” É a premonição comum, até em nossos dias, do que espera o futuro das novas gerações humanas. No caso deste livro futurista, crianças e adultos são realmente solitários. Por modificações genéticas, chamadas elevações, as crianças e jovens acabam necessitando da companhia de robôs, os AAs (Amigos Artificiais) para se desenvolverem.

Finalizando, segundo minha percepção, um livro aborrecido em muitos trechos, inclusive de carente estruturação textual e de baixa qualidade literária. Segundo a crítica Isabella Siqueira, “Ishiguro conduz com muita graça a trajetória de uma humanoide mais humana do que muitos por aí sonham em ser.” Enfim, trata-se de um bom romance sobre a complexidade das emoções humanas e de suas criações tecnológicas, mas indigno de um autor premiado com o Nobel de Literatura em 2017.

Valdemir Martins

18.05.2021

Fotos: 1. capa do livro; 2. drone pássaro de um personagem; 3. o crepúsculo que inspirou Klara; 4. Kazuo Ishiguro.

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28 de abr. de 2021

Verity: bom suspense, com fortes doses sexuais.

Tudo começa muito brando, simplesinho, parece até mais um pobre roteiro de novela de televisão. E, num crescendo, o livro Verity, da dramaturga texana Colleen Hoover, vai se transformando num autêntico e vigoroso thriller psicológico. É sua estreia no gênero suspense.
Com linguagem bastante sucinta e objetiva, sem arroubos de qualidade literária, Hoover leva o leitor para situações corriqueiras, mas de profunda complexidade psicológica, de forma ritmada, gradual, numa tensão perturbadora de expectativas. A autora explora magistralmente as condições e perturbações psicológicas dos personagens. Aos poucos, aqueles leitores mais ansiosos podem até entrar em desespero.

São magistrais as sequências e sobreposições de cenas fortes. E, ao tempo em que a autora desenvolve a permanente tensão do livro e constrói excelentes personagens, premia explicitamente aqueles adeptos de fortes emoções sexuais com frequentes descrições de relações para lá de íntimas.

Com um pensamento de uma das protagonistas, Hoover acaba expondo uma síntese desta sua obra: “O que espreita a mente pode ser tão perigoso quanto as ameaças da vida real”. E, assim, nesse clima a leitura flui com facilidade, mas passa a não convencer quando vai chegando ao seu final, com pontas da história ficando soltas e estranhas. Para mim, apesar de surpreendente, o final é repentino demais e deficiente, como se a história vá ter alguma continuidade.

Realmente aí somente a sua imaginação ou a própria autora para responder.

Valdemir Martins

21.04.2021 

Fotos: 1. capa do livro; 2. a protagonista; 3. o passeio de barco; 4. Coleen Hoover.

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17 de abr. de 2021

Sobre a Terra Somos Belos por um Instante *****

Pense em como você escreveria uma carta para a sua mãe, viva ou falecida, relembrando a vida em comum, o cotidiano compartilhado, as companhias, os momentos ruins e os bons. Como seria? Ah, e não esqueça que sua mãe não sabe ler.

Aqui, neste caso, teria que dosar sua escrita com boas porções poéticas. Pois estou falando do inebriante romance epistolar do poeta vietnamita-americano Ocean Vuong, em sua obra de estreia como romancista Sobre a Terra Somos Belos por um Instante. Este é o mais recente lançamento da Editora Rocco, celebrado vigorosamente pela crítica internacional, principalmente a norte-americana. E você só vai entender esse título após concluir a leitura da obra.

Uma leitura prazerosa que nos faz lembrar, em certas passagens, situações similares ou próximas de algumas que também vivenciamos com nossa família. Mas, certamente, não as escreveríamos em qualquer carta. Mas Vuong, num trabalho autobiográfico, consegue valorizá-las entremeando passado e presente, num misto de narrativa literária com carta-narrativa. Traz à luz vidas diferenciadas, de mundos díspares, e coloca em cheque como podemos curar e resgatar uns aos outros sem deixar de ser o que somos.

Seu texto é esplendoroso. Sem contestações: “Acordo com o som de um animal aflito. O quarto tão escuro que nem sei dizer se meus olhos estão abertos. Uma brisa passa pela janela rachada, e com ela entra a noite de agosto. ...Eu me equilibro no ar negro e vou rumo ao corredor.”

Sua crítica social é suave, ao tempo que ferina e realista, principalmente no contexto da Guerra do Vietnã, seus sobreviventes e interação com os jovens soldados americanos, quase meninos, e a vida de imigrantes na América. Trata do preconceito racial e religioso ao relembrar para a mãe suas passagens como “invisíveis” aos olhos americanos por não falarem o inglês corretamente. Versa sobre perdas; perdas terríveis. Sobre aprendizados e conquistas, lentas, suaves e profundas.

Passagens magistrais serão inesquecíveis, como o trabalho de manicure numa senhora amputada, ou o porquê crianças vietnamitas são chamadas por nomes terríveis. Ou, ainda, a importância da palavra “desculpe”. E alguém se encontrando e encontrando alguém numa fazenda de tabaco. Ou, emocionantemente, a volta de um feto num sonho.

De forma bastante criativa, de repente Vuong narra um fato diferente, estranho ao assunto que vinha abordando e, num jogo de palavras em transição, vai desvendar a dessemelhança numa ligação de história inesperada. Uma técnica literária difícil e rara, mas extremamente encantadora. Assim como ele trabalha os jogos de palavras como trocadilhos de ideias que se completam. Literariamente brilhantes, pois este é um livro para as pessoas sensíveis ou dispostas a sê-lo.

Em mais uma incrível sacada, no terço final da obra, para nos fazer crer que o texto foi escrito por um drogado, vários trechos parecem-nos incompreensíveis, como se resultasse realmente da escrita elaborada sob o efeito de narcóticos. Se assim não for. Apesar de o sexo ser tratado com poesia, transmuta-se em algo que poderia ser violento, mas é apenas colocado aqui como algo verdadeiro e fortuito. Descrições explícitas de atos em exageros de detalhes – até escatológicos - maculam a obra apenas por destoar de seu contexto geral.

Assim, como num grande poema, sua especialidade, Ocean Vuong, a grande revelação literária americana, brinda-nos com um pequeno compêndio de contos de sobrevivência sempre dos mesmos personagens. A sobrevivência no cotidiano. Os destroços e os resumos de um sonho.

Exatamente isso. Sobre a terra somos belos por um instanteUma obra diferente, encantadora. Nos limites da linguagem.

Valdemir Martins

18.04.2021

Fotos: 1. Capa do livro; 2. Fugitivos do Vietnã; 3. Fazenda de tabaco; 4. Preparo de heroína; 5. Búfalos em queda;  6. O autor Ocean Vuong.

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11 de abr. de 2021

Waterloo: o triunfo da bestialidade humana

Após admirar o meticuloso trabalho de pesquisa histórica e de costumes da obra literária do competente e brilhante galês Ken Follett, deparo-me agora com outro incrível trabalho detalhista e preciso de pesquisa histórica de outro britânico: o livro Waterloo, do veterano londrino Bernard Cornwell. Este é seu primeiro trabalho de não ficção, publicado em 2014, tratando da batalha que derrotou, definitivamente para a história, o imperador francês Napoleão Bonaparte.

Afastando-nos da simplicidade inconclusa da publicidade do livro que diz “A história de quatro dias, três exércitos e três batalhas”, podemos destacar a complexidade dessa história real proporcionada por Cornwell, apresentando detalhes importantíssimos para se entender um momento histórico ímpar que culminou com a queda decisiva de um dos maiores gênios militar de todos os tempos: o persistente e inabalável Napoleão.

Reflexões estratégicas, imprevistos naturais e do acaso, dramas pessoais, glórias relembradas, o contragolpe de Bonaparte, dramáticas cenas da guerra com e sem batalhas, dentre outros contextos, dão corpo a um bem estruturado texto. O enredo é a própria espantosa história que a competente narrativa de Cornwell revive. O que mais impressiona, em destaque, são a prepotência e arrogância do líder francês e as intermitentes confusões de seus comandados ao não entender explicitamente suas ordens estratégicas.

Esses dois aspectos, predominantemente, aliados à competência, visão e experiência militar – somados a um pouquinho de sorte - do comandante inglês Arthur Colley Wellesley, o Duque de Wellington, além da fidelidade das tropas aliadas da Prússia (Alemanha), Nassau (Holanda) e Bélgica, conduzem quase duzentos mil homens a três renhidos e sangrentos combates campais, tornando-se das mais conhecidas e famosas batalhas da história da humanidade. E Cornwell, fiel à verdade, descreve-as impiedosamente e de forma crescente em detalhes que chocam e impressionam ao mais frio leitor.

Todas as guerras são cruéis. Mas estas batalhas descritas por Cornwell
apresentam-nos características que pouco conhecemos em outras guerras geralmente mostradas em filmes e livros e restritas às primeira e segunda guerras mundiais e às lutas de espadas e flechas de períodos mais antigos. Estas de Waterloo são diferentes devido à utilização basicamente de artilharia de canhões e obuses primários, com munições e técnicas extremamente destrutivas; a cavalaria com espadas e lanças e a infantaria em combates na maioria das vezes corpo a corpo, com sabres, baionetas e lanças e, contra a cavalaria, os mosquetes simultâneos. Imaginem as estratégias para a utilização de tal variedade de destrutivas armas nos momentos apropriados.

O autor utiliza-se de trechos de cartas e depoimentos de participantes de todos os lados desse evento bélico, até reproduzindo alguns trechos cruciais, o que traz bastante realismo e credibilidade à obra.

Após esta leitura, com certeza você irá refletir sobre a estupidez e a bestialidade humanas. Tudo foi real. Não se trata de um filme ou uma narrativa de ficção. A guerra sempre foi a atitude mais irracional e criminosa do ser humano e as batalhas de Waterloo, aqui brilhantemente retratada por Bernard Cornwell, bem atestam essa ignomínia que percorre e entremeia toda a história da humanidade.

Valdemir Martins

10.04.2021 

Fotos: 1. capa do livro; 2. Localização da batalha; 3. Napoleão ; 4. Duque Wellington; 5. Uso de canhões; 6. Batalha na cidade; 7. Bernard Cornwell.

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28 de mar. de 2021

Introdução à Nova Ordem Mundial: um verdadeiro livro de terror

O complexo e obscuro cenário sócio-político no qual vivemos hoje e a constante referência a fatos estranhos e coordenados apresentados por jornalistas e analistas políticos tidos como sérios, levou-me a procurar inteirar-me das principais ações políticas, econômicas e sociais contemporâneas. Descobri, surpreendentemente, existir um movimento de formação, pacientemente lento e gradual, de um governo globalista único. Isso, nos moldes próximos aos nossos apreciados livros de distopias de Huxley, Bradbury, Atwood, Dick, Orwell e Burgess, entre outros, alguns até citados pelo autor no livro que vou comentar.

Por indicações de estudiosos na internet e amigos, cheguei ao alarmante “Introdução à Nova Ordem Mundial”, do brasileiro Alexandre Costa. E na medida em que avança na leitura você se convence que tem nas mãos um livro de terror. Não por sê-lo, mas por narrar os resultados das pesquisas efetuadas pelo autor e suas constatações estarrecedoras. Cada página é um sobressalto.

Costa destrincha, de forma didática – por ser um assunto profundamente complexo -, uma situação que se desenvolve no mundo hoje e como isso acontece em especial em nosso país. Trata-se do movimento internacional denominado Nova Ordem Mundial (NOM), financiado e orientado por grandes banqueiros e empresários (Jeff Bezos, George Soros e os Rothschild e Rockfeller, por exemplo) e por lideranças políticas e sociais de tendência de esquerda (e até islamita).

Segundo Costa, esse poderoso movimento, comandado pelos populares globalistas, dão o tom a todas as tendências e articulações políticas, econômicas e sociais no mundo. Objetivam, utopicamente, um governo planetário, nos moldes das conhecidas distopias literárias e cinematográficas que tratam do tema, como já citamos.

Seus movimentos são financiados por corporações e grandes banqueiros internacionais, fundações bilionárias que se dedicam ao domínio dos “interesses sociais”, e por condutores políticos como a ONU, o Open Society (Soros), o Clube Bilderberger, o Federal Reserch, o movimento Diálogo Interamericano, entre outras corporações poderosas. Assim, mantêm, através do controle financeiro e ideológico de fundações, universidades, partidos políticos e órgão de imprensa, as campanhas eleitorais, de difamação e de aglutinação que lhes interessam.

A NOM encontra respaldo e se utiliza dos movimentos e líderes comunistas, socialistas e tiranos em geral simpatizantes de causas geralmente anarquistas como o aborto, a homofobia, o racismo, a intolerância ao cristianismo, o empoderamento feminino, o controle da internet, a extinção da família e das tradições, entre outros. Um dos recursos mais utilizados, por exemplo, diante da impossibilidade de se refutar uma informação, é a desqualificação. É o meio mais usual dos pérfidos manipuladores, procurando desvirtuar o foco de uma discussão importante que não interessa a seu grupo. A pecha de fake news - ou no bom português, mentira - é o rótulo mais corriqueiro nessa armação abstrusa.

Para não cair no ranço da eterna discussão entre “esquerda” e “direita”, deixo para os próximos leitores e suas simpatias absorverem – ou não - as informações da obra que procuram demonstrar as conexões, objetivos e consequências diretas e indiretas dos fatos apresentados. A velhíssima ideia de um governo mundial (os primeiros indícios remontam ao século XXIII a.C.) toma força e forma na atualidade, segundo o autor. E é disso que trata o livro.

Para Costa, o plano espetacular vem tendo um sucesso grandioso, principalmente nas últimas décadas. E três grandes forças disputam hoje a hegemonia mundial, cada um por si, mas utilizando suas “fundações”, trilhando as mesmas estratégias e, consequentemente, intensificando as maquiavélicas acrobacias para transformar a visão e a consciência das pessoas para seus objetivos.

Segundo ele, “O abandono de antigos valores tradicionais e a aceitação de um novo modelo de sociedade tem sido o objetivo das fundações há muitas décadas. Elas se utilizam de uma rede de organizações praticamente impossível de rastrear, são centenas de organizações internacionais, que por sua vez financiam milhares de organizações menores e assim por diante, afunilando até chegar à verba que paga a bandeira e a camiseta do ativista que pensa estar protestando contra “o capital”.

Por meio de dissimulações ensinadas pelo italiano Antonio Gramsci, que vão da ecologia aos direitos humanos, estão implantando todos os princípios históricos do ideal coletivista. Um dos mais inteligentes estrategista do movimento, o húngaro György Lukács, usa o pensamento de Kant, as técnicas de Hegel e a filosofia marxista para sugerir aos engenheiros sociais a elaboração das armadilhas que dão robustez à ação dos globalistas.

A informática, a telefonia celular, o rádio e a TV, os satélites, a internet e a comunicação de massa, via aplicativos e redes sociais, constituem-se no melhor ambiente dos recursos necessários para formalizar ideias de controle social, permanentes e graduais, que foram impossíveis de ser aplicadas quando idealizadas por algumas mentes sombrias desde o século XIX.

Há décadas a população é “catequizada” subliminarmente e hoje, como gado, segue os preceitos e preconceitos dos tais poderosos globalistas. O conteúdo utilizado com estas técnicas, no entanto, deriva do surgimento das ciências de persuasão, condicionamento, manipulação e lavagem cerebral, que assim como estas tecnologias, são produtos da modernidade. O que faz desses pretensos tiranos serem muito mais poderosos do que qualquer um dos seus antecessores que tentaram usar a força bruta.

Realmente ler este livro é perturbador e sem volta. Você nunca mais será o (a) mesmo (a).


Valdemir Martins

30.03.2021 

Fotos: 1. capa do livro; 2. Federal Research; 3. ONU; 4. Fundação Rockfeller; os líderes Xi Jinping e Putin; Reunião do Foro de São Paulo; José Dirceu; Gramsci; pichação; o autor Alexandre Costa.

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