A bestialidade assume o comando
deste pouco conhecido romance desde seu início. Tudo é admirável em Lasca,
de 1923, do siberiano Vladímir Zazúbrin,
proibido por mais de setenta anos nos domínios russo e soviético e publicado há
pouco no Brasil na Coleção Acervo: 21
da Editora Carambaia.
A linguagem extremamente dinâmica
– por vezes figurativa -, narrativas rápidas, metáforas e linguagem
cinematográfica surpreendem-nos e envolvem-nos a partir da primeira página, quando
deparamo-nos com a selvageria física e psicológica da cruel Tcheká – a Comissão Extraordinária para Luta contra a
Contrarrevolução e Sabotagem, polícia política antecessora da KGB comunista soviética.
Com a
intenção de ser preciso na descrição das crueldades, Zazúbrin, também um
prisioneiro dos bolcheviques na Sibéria, chega a ser exaustivo nas descrições
de atrocidades sanguinolentas. E não podemos culpá-lo pelo exagero, pois se
trata principalmente de uma denúncia histórica, além de uma novela política de
época.
Nesta
obra o fanático protagonista tem a Revolução Comunista como uma deusa e tudo
faz em seu nome, em sua honra e é a ela submisso. Este é o seu destino. Sua
vida. E assim Zazúbrin demonstra o ambiente, o comportamento, a dramaticidade
de um negro período histórico onde não podemos chamar seus participantes de
humanos. Nem de animais, pois nem estes, irracionais, jamais chegaram a tamanha
carnificina.
E o pior: sem remorsos. Um período que marcou de forma indelével a
história e o povo russos.
Pelos
meados da obra o médico, pai do protagonista e também vítima da barbárie, manda
um recado: “... sua doença, a doença de todo o povo russo, indubitavelmente é
curável e, com o tempo, desaparecerá sem deixar rastro, e para sempre. Para sempre,
pois o organismo que padece dela produz anticorpos suficientes. Adeus.”. Mas,
pelo que parece, essa moléstia – já modernizada - ainda circula no seio dos
russos que detém o poder na atualidade.
Na sequência,
Zazúbrin surpreende novamente e brinda-nos com uma pérola do carrasco chamando
pela própria mãe, pedindo proteção após um pesadelo. E como tudo na vida e na
história, basta um desvão involuntário e tudo muda, até radicalmente sem nosso
controle. Como escreveu o editor Valerian Pravdúkhin, à época, “Aqui temos
diante de nós um herói como a história da humanidade ainda não viu. Aqui há a
tragédia interna desse herói, que não suportou sua façanha ‘heroica’ diante do
colapso de Srúbov, que sucumbe diante da repressão que ele mesmo comanda na
Tcheká”.
E da
mesma forma, após a glasnost
soviética, milhares de publicações então proibidas e censuradas pelo “Terror
Vermelho” vieram ao público. Iniciava-se desta forma, pela escrita, a grande denúncia
sobre os barbarismos impetrados pelos comunistas.
Ao
condenar os nazistas pelos seis milhões do Holocausto judeu, a Humanidade se
esquece dos 17 milhões de euro-asiáticos exterminados pelos comunistas, de
diversas formas bastante cruéis, a mando de Stalin, gerindo sua revolução
operária a partir de 1917. Dentre esses episódios, sem dúvidas, destacam-se a
transformação da Sibéria num grande açougue humano, e o chamado Holodomor, onde o regime totalitarista
de Stalin assassinou 7,5 milhões de ucranianos apenas pela fome.
Um
detalhe: seus parceiros de comando da revolução foram também por ele
assassinados. Traídos, Lenin foi morto em 1924 e Trotsky – após fuga
espetacular pela Ásia Central, Europa e América do Norte, foi assassinado no
México em 1940.
Por seu
pesado teor, este é um livro para ser lido apenas por quem se interessa pelo
assunto e deseja conhecer em detalhes o que foi o grande açougue humano
estabelecido no começo do século passado pelo regime totalitarista dos
comunistas a comando de Stalin.
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Valdemir
Martins
20.09.2023
Fotos: 1. Capa do livro; 2. Sibéria; 3. Símbolo da Tcheká; 4. A corporação "Terror Vermelho"; 5. Tortura e morte; 6. O carniceiro Stalin; 7. O autor Vladímir Zazúbrin.