O cientista
planetário, astrônomo, astrobiólogo, astrofísico, escritor, divulgador
científico e ativista norte-americano Carl
Sagan (hoje com 90 anos) inicia um de seus mais brilhantes livros dedicando-o ao seu neto Tonio,
desejando-lhe um mundo livre de demônios e cheio de luz. Sintetiza, de certa
forma, o contexto da obra O Mundo Assombrado pelos Demônios.
E principia este trabalho na sua
infância, onde as crianças costumam questionar diversos fatos por não entenderem
ainda a lógica de sua realidade. Assim, por exemplo, como saber o que é
imaginação ou realidade? Ou como se podia ver o som e ouvir a luz? E assim seus
pais o introduziram simultaneamente no ceticismo e no assombroso, dois modos de
pensamento que são a base do método científico.
Na sequência, critica severamente o
ensino das ciências exatas nas escolas, as quais não conseguem despertar a
curiosidade dos alunos em formação para o que é ensinado: ”Nosso trabalho consistia meramente em recordar o que nos tinha
ordenado: consegue a resposta correta, não importa que entenda o que faz.” Já na Universidade de Chicago ele encontrou um
programa de ensino no qual era impensável que um aspirante a físico não
conhecesse Platão, Aristóteles, Bach, Shakespeare, Gibbon, Malinowski e Freud,
entre outros.
Parte a seguir para os relatos
espúrios, tão comuns hoje em dia, nos quais a grande maioria de pessoas crédulas incautas acreditam em
inúmeras balelas sem comprovação científica, como a existência de Atlântida, o poder
dos cristais ou a previsão dos horóscopos, por exemplo, com a cooperação
desinformada (e frequentemente a conivência cínica) de periódicos, revistas,
editores, rádio, televisão, sites, produtores de cinema e similares. E
escancara essa pseudociência difundida pelas fontes de informações disponíveis
à população, com amplos e profundos interesses comerciais e de ativismo
sócio-político.
Sempre com inúmeros exemplos, ele
passa pelos momentos pretéritos da ciência, como a escuridão de dez séculos da
antiguidade sem qualquer produção científica. E considera então o dom da vida e
a sobrevivência como a base e inspiração do desenvolvimento científico. E
conclui que os avanços na medicina e agricultura salvaram muitas mais vidas do
que as que se perderam em todas as guerras da história.
Alerta, então, para mais atenção às
consequências da tecnologia a longo prazo se usadas sem controle ou destinadas
para o mal. E a que interesses serve a ignorância, além do progresso
ininterrupto na auto desvalorização do homem causado pela revolução científica.
Baseado em seus estudos científicos,
Sagan prevê que os Estados Unidos será uma economia de serviço e informação;
quase todas as indústrias manufatureiras fundamentais se deslocarão para outros
países; os temíveis poderes tecnológicos estarão em mãos de uns poucos e
ninguém que represente o interesse público poderá se aproximar sequer dos
assuntos importantes; as pessoas perderão a capacidade de estabelecer suas
prioridades ou de questionar com conhecimento aos que exercem a autoridade;
nós, obstinados a nossos cristais e consultando nervosos nossos horóscopos, com
as faculdades críticas em declive, incapazes de discernir entre o que nos faz
sentir bem e o que é certo, iremos deslizando, quase sem nos dar conta, na
superstição e na escuridão.
E assim Sagan desenvolve esta sua ode
à ciência e ao conhecimento, numa denúncia importante sobre o obscurantismo
mascarado de entretenimento e solução, desmontando as crenças das passivas
massas em superstições, credos religiosos e, principalmente, nas
pseudociências.
Citando o profeta Isaías - Esperamos a luz, mas contemplamos a
escuridão - Sagan deixa-nos um potente pensamento para reflexão: “Simplesmente, não há volta. Nós gostemos ou
não, estamos atados à ciência. O melhor seria lhe tirar o máximo proveito.
Quando finalmente o aceitarmos e reconhecermos plenamente sua beleza e poder,
encontrar-nos-emos com que, tanto em assuntos espirituais como práticos; saímos
ganhando.”
Esta é uma obra transformadora. Com
certeza, os leitores mais instruídos ficarão incomodados. Com fortes
possibilidades de mudar alguns de seus conceitos. Já os menos letrados,
perdidos por perdidos, com absoluta certeza não conseguirão ultrapassar os
capítulos iniciais.
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Valdemir Martins
25.08.2024
Fotos: 1. Capa do livro; 2. Ver o som e ouvir a luz; 3. Balelas como o horóscopo; 4. A escuridão da ciência na Idade Média; 5. O obscurantismo religioso; 6. A tecnologia na guerra; 7. O anel de galáxias e a infinitude do cosmo; 8. O autor Carl Sagan.