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14 de out. de 2023

Engordando conhecimentos na Ceia Secreta

Enquanto vamos conhecendo episódios importantes do Século XIV, em plena época da chamada Santa Inquisição, alcançamos fatos que propiciam um suspense e um clima perscrutador que se revelam no âmago da obra A Ceia Secreta, do jornalista e escritor espanhol Javier Sierra. Um surpreendente romance histórico.

Lembrando um pouco o livro O Nome da Rosa, claro, sem o eruditismo de Umberto Eco, este romance desenvolve-se também num ambiente claustrofobicamente eclesiástico e investigativo, mantendo um bom suspense e aquela consequente vontade de não parar a leitura. Com um bom ritmo, o texto flui na medida em que aumenta a ansiedade do leitor.

Aqui se descobre fatos pitorescos e pouco conhecidos do berço da religião católica, em especial sobre Jesus e seus discípulos, João Batista e a onipresente Maria Madalena, além de Leonardo da Vinci, os Dominicanos e os mecenas de obras sacras. A mixagem de elementos reais e ficcionais usada por Sierra de maneira tão estimulante e envolvente consegue conduzir o leitor como partícipe da trama.

Acredito ser uma obra muito mais envolvente para quem aprecia e tem algum conhecimento de arte pictorial. A base de sua narrativa faz eclodir as inúmeras facetas e enigmas que envolvem não só a obra de Leonardo Da Vinci, mas especificamente o Cenacolo ou Santa Ceia, ou ainda A Última Ceia, como é conhecida sua polêmica obra prima, um afresco pintado numa parede do refeitório do convento da igreja de Santa Maria delle Grazie, em Milão.

O livro é narrado na primeira pessoa, pelo próprio protagonista, de forma bastante casual e informal, o que torna a leitura mais cativante. E não vejo uma forma de leitura de sucesso sem o acompanhamento constante de visualizações da pintura ao lado do livro, entendendo-se assim as interessantíssimas contendas sobre a obra.

A “teoria da conspiração” contra a Igreja Católica – já batida com sucesso em O Código Da Vinci, de Dan Brown, e no livro O Santo Graal e a Linhagem Sagrada, de Michael Baigent -,
reaparece nesta obra de forma bastante enfática e envolvente, principalmente pelo fato de Sierra contextualizar seu trabalho no século XV, num cuidadoso trabalho de pesquisa. Ele é um grande cientista em simbologia e códigos antigos, como também estudioso profundo do esoterismo, pelo qual é muito respeitado.

Os cátaros (katharos que significa “puros” em grego) membros de uma facção religiosa da Idade Média que repudiava a igreja católica apostólica romana – e bem pouco conhecida pelo público – torna-se o cerne desta trama repleta de simbologias e códigos secretos. E, assim, promovendo mais polêmicas à sua obra, Sierra leva-nos até os conceitos enunciados nos chamados Evangelhos Gnósticos, descobertos no Nag Hammadi, no norte do Egito em 1945, tidos, então, como “livros perdidos da Bíblia”.

Todos os personagens desta obra e a maioria dos fatos ali relatados existiram e são históricos, o que confere ao livro A Ceia Secreta, principalmente aos religiosos cristãos, uma excelente oportunidade de engordar seus conhecimentos sobre o assunto como também de refletir mais profundamente sobre suas crenças.

Aos admiradores de Leonardo da Vinci fica a certeza reescrita de sua genialidade artística, científica e humana, uma vez que tudo no texto de Sierra tem fundamentos em rigorosas e respeitadas pesquisas. Diferente e muito superior ao de Dan Brown, este é um livro a ser lido, refletido e, com certeza, admirado e recomendado.

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Valdemir Martins

13.09.2023

Fotos: 1. capa do livro; 2. O refeitório da Igreja de Santa Maria della Gracie; 3. A pintura original; 4. A pintura no refeitório; 5. A polêmica tela refeita da Madona da Pedra; 6. O evangelho gnóstico; 7. Javier Sierra.

3 de out. de 2023

Aos dezenove, O Quinze!

Não há como negar: é inquestionável o talento literário de Rachel de Queiroz, já explicitado em sua primeira obra, O Quinze. E é de embasbacar-se que, com apenas dezenove anos, tão brilhante romance escreveu. Um talento incontroverso.

Também incontestável é a qualidade da sua escrita e da sua criatividade. E, em tão tenra idade, já expressa um profundo conhecimento do achavascado agreste nordestino e de seus resistentes residentes e sobreviventes. Sem falarmos dos predicados de sua linguagem fluída, objetiva e concisa, contudo, sem deixar de apresentar o realismo dos personagens e cenários: “Lá se tinha ficado o Josias, na sua cova à beira da estrada, com uma cruz de dois paus amarrados, feita pelo pai. Ficou em paz. Não tinha mais que chorar de fome, estrada afora. Não tinha mais alguns anos de miséria à frente da vida, para cair depois no mesmo buraco, à sombra da mesma cruz.”

Muitas vezes interpretativo beirado à perfeição, os diálogos transpiram autenticidade e expõem a exuberante realidade cabocla do retirante no sertão atroz e desumanamente infernal. Perturbadoras, chegam a ser emocionantes as cruas descrições do sofrimento dos retirantes ante a fome, a sede, o sol abrasador e, como consequência, a fraqueza e a moléstia: miséria e desespero.

A tanta desgraça involuntária soma-se a incomensurável dor de não se ter tino e tempo para cumprir ou sentir o luto. Para o retirante, a vida não lhe pertence, mas à caatinga e à misericórdia de quem pouco tem para compartilhar.

Diante de tanto sofrimento, Rachel não deixa de suavizar sua obra de estreia com romances dos personagens e com a inclusão de pessoas bondosas que se destacam ao ajudar os miseráveis.

E assim, Rachel resgata as causas da fuga de sua família do Ceará para o Rio de Janeiro, em 1877, na maior seca que já assolou o nordeste brasileiro.

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Valdemir Martins

31.08.2023

Fotos: 1. capa do livro; 2. criança retirante; 3. acampamento de retirantes na grande seca de 1877; 4. Rachel aos dezenove anos.

20 de set. de 2023

A agilidade do Homem Lento


Do nada, coisas impensáveis ocorrem na vida das pessoas. E um desses fatos é maravilhosamente explorado pelo Nobel sul-africano J. M. Coetzee em seu livro Homem Lento. Uma obra com a linguagem dramática típica de Coetzee trazendo o desespero e a solidão de um personagem inesquecível.

Os eventos que abrem o texto demonstram de imediato, a magistralidade do autor expondo fatos contundentes e avassaladores, iniciando o contexto de desespero que contamina o livro e o leitor de imediato. O desengano e a luta ante as dificuldades físicas, a enfermidade, a velhice, a inaceitável solidão e os sonhos que se desvanecem, erigem mais este impecável trabalho de Coetzee.

A mão salvadora parece ser o amor ou apenas uma paixão, algo que lhe foi inexistente nos seus 60 primeiros anos de vida. Sim, por que esta tem jeito de recomeçar-lhe agora, nesse ponto. Mas, sua paixão lhe traz também inúmeros problemas e o principal deles é uma pessoa absolutamente estranha que se entranha em sua vida. Aqui, Coetzee insere seu alter ego, uma personagem indesejável e que passa a perturbar nossa leitura como um verdadeiro incômodo. Mas, que é, na realidade, uma forma original de o autor abordar questões existencialistas e éticas no desenvolvimento da trama.

É aquela pessoa que de repente aparece e interfere insistentemente na vida das pessoas, sempre alertando para tudo que pode acontecer de mal na vida delas. Mas, também, sem deixar de escancarar as verdades. Um ser que será visto como maligno, inesgotável, indestrutível. Mais uma preciosidade nesta obra que nos faz refletir muito sobre valores e escolhas na vida. Necessidades desnecessárias: alternativas impensadas por absoluto deslumbramento e foco em situações, coisas e pessoas erradas. E uma autopunição inconsciente.

Nesta ficção arquitetada sobre a realidade e os sentimentos comuns das pessoas, fica a preleção de que, por pior que seja a situação, sempre há alternativas. Apenas depende de nós encontrá-las e utilizá-las ou não; com inteligência e sabedoria para não corrermos o risco da solidão voluntária, da viver-se fora do próprio tempo, como Marcel Proust, definhando no passado e sobrevivendo pelas memórias.

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Valdemir Martins

28.07.2023

Fotos: 1. Capa do livro; 2. O protagonista na bicicleta; 3. A massagista; 4. J. M. Coetzee.

14 de set. de 2023

Stella Maris: uma obra desconcertante.

Após a leitura de O Passageiro (vide comentário abaixo), do brilhante Cormac McCarthy, continuei a tortura psicológica no segundo livro de seu díptico, Stella Maris, cujo protagonista passa a ser a irmã do personagem análogo do primeiro livro. Já em seu início a mesma destrói diversos conceitos psicológicos e seus inúmeros testes, inclusive os de QI, em longa conversa com um terapeuta.

McCarthy, neste que é seu último livro, consegue escrever uma obra sem narrativas, composta só por seguidos diálogos, onde o leitor, em sua própria mente, vai construindo a narrativa. Uma técnica literária excepcional, muito pouco usada. Alicia, a adolescente protagonista, faz doutorado em Matemática e, ao discorrer sobre sua infância e pré-adolescência, faz um arrazoado entre filosofia e física. E quem lê, defronta-se com uma obra que põe em cheque conceitos sobre Deus, a verdade e a própria existência humana.

Num livro curto, mas extremamente profundo, apresenta-se uma obra que dignifica a literatura moderna com suas proposições viscerais em cima de um enredo breve, bastante complexo e essencialmente diverso. As críticas de uma jovem de apenas vinte anos – mas extremamente inteligente, vivida e sofrida – à sociedade que insiste em enxergar tudo sempre sob a mesma ótica, impressiona-nos pela contrastante lucidez de uma esquizofrênica, em diálogos contundentes sobre perda, saudade e loucura. Aqui, mais uma vez, McCarthy arrasa.

Como se previsse seu fim, McCarthy vem iluminar certos pontos escuros encontrados em O Passageiro e, talvez, em algumas obras anteriores. Consagra-se, sem dúvida, como um dos maiores escritores norte americanos em dois séculos.

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Valdemir Martins

15.07.2023

Fotos: 1. capa do livro; 2. Black River Falls, onde fica o instituto; 3. Einstein e Oppenheimer citados no livro; 4. Cormac McCarthy.

2 de ago. de 2023

Um Passageiro em agonia

O personagem Kid Talidomida define a certa altura de um diálogo impossível: “Estamos falando aqui de graus infinitos de liberdade, por isso é sempre possível efetuar uma rotação e fazer com que tudo pareça diferente.” Estes são os devaneios de loucura nos desvãos da consciência que nos presenteia o genial escritor norte americano Cormac McCarthy nos estertores dos seus 90 anos. Parece sem nexo. Entramos num mundo de seres ilógicos, com nadadeiras. E assim iniciamos a leitura do seu livro O Passageiro.

Ato contínuo, vamos ingressar num texto com o DNA específico de McCarthy. Personagens das sombras infestam, então, o início da obra, seja em fantasias ou em realidades. O leitor deverá ter paciência e ir assimilando gradativamente a grandeza do texto que tem pela frente.

O Passageiro narra a história de um mergulhador de resgate, assombrado por perdas, solitário em meio a muitos amigos, e que, perseguido por uma conspiração que não compreende, anseia por um desfecho de vida mais aceitável do que tudo que já presenciou e conviveu.

Personagens, locais e situações muito lentamente vão se encaixando num complexo quebra-cabeça, como um up no ânimo de leitura. Os passados ressuscitados vão encorpando o enredo, desvendando e construindo personagens, suas histórias e conexões.

Boa parte dos diálogos são fortes, construtivos e consistentes, Veja este trecho: “Talvez seja apenas porque as pessoas dizem coisas sobre você que não falam na sua cara. Coisas ruins? Não. Apenas coisas sobre você que podem ser verdadeiras. Você acha que é capaz de aprender tudo sobre si mesmo por conta própria?”. Realmente, dá muito no que pensar, não é mesmo? São diálogos muitas vezes percebidos como irreais, mas que têm um imenso teor de verdades a serem refletidas. Tratam de vida, realidade, culpabilidade, esperança, relacionamento, lógica, fantasia, amor, perda e solidão, entre outros temas profundos.

Em trechos cruciais, passeia entre o sonho e o burlesco, flertando com a fantasia em imersões na psique de personagens fundamentais. Muitas vezes, inversamente a sequências de sua obra Meridiano de Sangue, a violência aqui é psicológica – e até filosófica - e terrivelmente perturbadora.

Uma obra difícil, com alguns diálogos técnicos aborrecidos, que demanda paciência e imensa curiosidade para, finalmente, desembarcar em satisfação após a miríade de locais, situações e personagens transpostas para saber a incrível história do protagonista Bobby Western.

Um imenso poema moderno. Um livro brilhante, cujo projeto ficará concluído com o segundo livro deste díptico do Prêmio Pulitzer McCarthy: Stella Maris.

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Valdemir Martins

02.07.2023

Fotos: 1. capa do livro; 2. Mergulhadores profissionais; 3. Bar típico de Nova Orleans; 4. Port Sulphur; 5. Plataforma de petróleo na Bolívia; 6. Cormac McCarthy.

16 de jul. de 2023

As realidades de O Cavaleiro Inexistente

Tudo que vemos só é real se fizer parte de nosso contexto de conhecimento. Nada será diferente disso perante nossa experiência de vida. E é disso que trata o primoroso romance do italiano Italo Calvino em sua obra O Cavaleiro Inexistente. Calvino, merecedor de um Nobel de Literatura, preterido a inúmeros premiados, segundo meus conceitos de qualidade literária. Sinta-se à vontade para discordar.

Nesta sua obra, mais uma vez fantástica, ele nos assombra com nossa própria sombra: aquilo que somos e que jamais mostramos ser. Para isso, vai até Carlos Magno, na Idade Média, século VIII, para apresentar-nos uma extravagante história sobre uma armadura viva, porém sem seu suposto cavaleiro, contada por uma penitente freira.

Um livro que mostra um cavaleiro que não existe, mas que traz algumas reflexões sobre a nossa própria existência e insignificância. O protagonista é um paladino com tudo que se esperaria de um cavaleiro medieval, ou melhor, de um ser humano em qualquer época: caráter inabalável, incorruptível, fiel, nobre, honesto, imbuído de honra, coragem e retidão. Isto é, uma figura principal que não existe, mas que seria desejável na humanidade.

Dentre as diversas alegorias elaboradas por Calvino a principal é o próprio protagonista. Além de ser o cara certinho, lógico, irritantemente perfeccionista, que não entende as exceções, ele cumpre cegamente todas as regras, normas e protocolos até as últimas consequências. Um indivíduo representado por uma armadura de cavaleiro, de caráter inabalável, voz metálica, incorruptível, devoto, nobre, fiel, imbuído de honra, coragem, retidão e que por isso mesmo não existe.

Apesar das comparações de alguns críticos e analistas com os homens modernos e tecnológicos, pecam por ignorar que este é um romance de fantasia e crítica social escrito em 1959, época em que os computadores – ainda rudimentares - acabavam de trocar as válvulas pelos transistores. Não se sonhava sequer com a internet. Evidente que o autor visava demonstrar um ser utópico que, por pretensamente ser poderoso apesar de humilde, é, por isso, cortejado, invejado e orbitado por um idiota, uma mulher perfeitamente empoderada e um ambicioso e tremendo invejoso que lhe pretende a proeminência, assim como por um admirador jovem e inexperiente que num golpe de sorte se torna seu herdeiro material.

Nesta poderosa e irônica crítica social, Calvino ridiculariza a Sagrada Ordem dos Cavaleiros do Graal, historicamente aclamados como heróis, mostrando seu treinamento como isolacionista e idiotizante, numa aparente crítica ao fanatismo religioso. Apesar de uma história simples e curta, é cheia de cenas que oscilam entre ridículas e até hilariantes.

Um belíssimo exercício literário rico em sátiras e metáforas elaborado por um dos mais importantes escritores italianos do século XX.

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Valdemir Martins

16.06.03

Fotos: 1. Capa; 2. O cavaleiro branco; 3. A guerreira; 4. Carlos Magno; 5. O idiota; 6. Italo Calvino

20 de jun. de 2023

Um circo que realmente passa, sem avisar que vai embora

Com um enredo despretensioso e simples, o Prêmio Nobel francês (2014) Patrick Modiano inicia seu romance Um Circo Passa com dois protagonistas num relacionamento estranho e biografias misteriosas. Aliás, todo terço inicial da obra é propositalmente enigmático visando surpreender-nos lentamente na evolução da leitura.

Narrando na primeira pessoa, como memórias, o autor abusa das citações de localidades e endereços parisienses causando-nos a impressão de um certo exibicionismo referente ao seu conhecimento da capital francesa. Revela nas entrelinhas deste texto ligeiro, sôfrego e ansioso, tudo o que a Segunda Guerra marcou em sua formação.

A tensão aumenta na história elevando o nível de angústia do leitor. As incógnitas começam a se encaixar, mas sem solução. Passados remexidos são surpreendentemente revelados corroborando o clima da obra e aumentando o suspense. Os protagonistas, perambulando por lugares depressivos e apesar de terem muito a esconder um do outro, compartilham os mesmos sonhos.

Uma obra rápida, enigmática e parece-nos relativamente simples por ser curta e abrupta, mas, por ser uma obra aberta, nos desperta inúmeras possibilidades de criar e tomar nossas próprias soluções criativas num raciocínio elucubrado à Umberto Eco. O livro entra em nossa mente como realmente um circo que passa por nossa cidade, trazendo-nos sonhos e emoções e rapidamente indo embora sem aviso prévio.

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Valdemir Martins

022.06.2023 

Fotos: 1. Capa do livro; 2. café Les Deux Magots; 3. O prédio na Pont Neuf; Patrick Modiano 


28 de mai. de 2023

As estúpidas rãs e a estupidez humana.

Livros de autores chineses que li sempre me agradaram bastante. Cito obras maravilhosas como As Boas Mulheres da China e O que os Chineses não Comem (Xinran), A Montanha e o Rio (Da Chen – veja meu comentário em https://contracapaladob.blogspot.com/2022/01/a-montanha-e-o-rio-nivelados-pela-vida.html ), Adeus, China – O Último Bailarino de Mao (Li Cinxin), Azaléia Vermelha ( Anchee Min), entre outros. Todos, de modo geral, têm as mesmas características ambientais, principalmente porque se passam, via de regra, nos milhares de povoados espalhados pelo território chinês.

Outra obra com as mesmas características, porém com a adição inteligente e recheada de história, mitos populares e contemporaneidade, é a laureada As Rãs, do Prêmio Nobel (2012) Mo Yan. Seu estilo é comparado ao realismo mágico do colombiano Gabriel García Márquez, mas obviamente sem latinidades e com muito das riquíssimas cultura e história da China.

Boa parte das obras chinesas contemporâneas transcorre – ou faz um pit stop - nos períodos de mudanças mais recentes do sistema político chinês e principalmente durante a chamada Revolução Cultural. Neste caso, em narrativa epistolar, Yan principia celebrando a vida numa época de mudanças importantes das práticas médicas ocidentais invadindo a China. E assim este brilhante livro começa a discorrer insistente e ironicamente sobre a vida.

O exaustivo discurso comunista de que o Ocidente liderado pelos norte-americanos é mau e vai invadir a China a qualquer momento é resiliente. Mas, faz parte intrínseca da história da China. No entanto, de forma brilhante Yan coloca-nos rigorosamente defronte à estupidez humana, seja pela guerra entre nações, seja pelo extremismo de ditaduras radicais ou mesmo pela própria cobiça e egoísmo humanos.

O controle da natalidade chinês com a política de filho único vigorou por 43 anos, de 1970 a 2013, quando foi liberada para dois filhos, devido ao envelhecimento populacional. O controle foi rigoroso, trágico e violento e é sobre essa dramática e homicida cicatriz na história da China que trata este romance incrível de Mo Yan. Segundo os chineses esse capítulo contribuiu para o desenvolvimento não só da China como de todo o mundo, pois afinal todos dependem dos recursos naturais do planeta e uma superpopulação seria desastrosa para a sobrevivência dos povos.

E é a partir desse princípio dantesco (sempre criticado pelos ocidentais) que se baseia hoje toda a orientação política da Nova Ordem Mundial e dos megacapitalistas - ironicamente antagônica aos eurasianos da China e da Rússia - que prevê uma drástica redução populacional no mundo para que se obtenha um controle mais efetivo dos recursos naturais e, claro, da própria população. Calcula-se que mais de 450 milhões de pessoas deixaram de nascer na China naquele período, nação que hoje abriga mais de 1,3 bilhões de pessoas, a segunda maior população mundial após a Índia (1,4 bilhões).

Assim torna-se importante a leitura de As Rãs para termos um parâmetro talvez de nosso futuro refletido a partir da política do filho único chinês, claro, sem os provincianismos brilhantemente elaborados pelo autor.

De um passado recente aos dias atuais, a obra inicia sua segunda parte com os protagonistas já idosos e, como no peso da idade, a narrativa torna-se mais lenta e ingressa, em alguns trechos, numa fase de romance de formação, com extensas narrativas sobre situações, locais, alimentos e personagens. E, a seguir, a um aborrecido texto de teatro que, ao passar para um surrealismo mais dinâmico, via realismo mágico, resume o âmago da obra e finaliza com um julgamento de uma das principais protagonistas da trama. E, inegavelmente, à política do filho único implantada pelo governo comunista chinês, trazendo as estúpidas rãs simbolizando a estupidez humana.

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Valdemir Martins

26.05.2023 

Fotos: 1. capa do livro; 2. Localização de Gaomi, cidade natal do autor; 3. A campanha de filho único da Revolução Cultural; 4. A tia obstetra do Partido; 5. Mao Tse Tung; 6. O ranário; 7. Gaomi hoje; Mo Yan.


10 de mai. de 2023

Acreditar em esquerda x direita é não ter a menor noção do que acontece hoje no mundo.

 “A guerra na Ucrânia e a Nova Ordem Mundial”: um livro assombroso, lógico e atualíssimo; uma obra importante por despertá-lo e por abalar suas estruturas pessoais.

Preocupação com filhos e netos e até com o próprio futuro dos seres humanos leva-nos a ler e estudar assuntos que geralmente só são tratados por especialistas. Mas neste caso, como se versa de matéria que nos transpassa imperceptivelmente no cotidiano, a Guerra na Ucrânia e o Globalismo passam a ser assuntos emergenciais, urgentes e inadiáveis.

A grande maioria das pessoas, mesmo as cultas, não se apercebeu ainda da gravidade da situação mundial hoje, onde estão em confronto ideológico – e não só bélico – por poder e pelo domínio da gestão mundial, três grandes grupos constituídos pelos ocidentais (globalistas da Nova Ordem Mundial), os russos (eurasianistas e islâmicos) e os chineses. O mundo mudou. E apenas uma minoria notou isso. Estamos mais próximos das configurações de George Orwell, em sua obra máxima “1984”, do que imaginamos: a divisão do mundo em três grandes grupos fortes e radicais.

Assim, a descoberta do livro “A Guerra na Ucrânia e a Nova Ordem Mundial”, um debate do jornalista Cristian Derosa e do estudioso e empreendedor Jonas Fagá Jr, lançamento da Editora Danúbio, tornou-se fundamental para deixar de me achar ludibriado por figuras grotescas como Lula da Silva e sua trupe apoiada pelo narcotráfico, Alexandre de Moraes e seus algozes travestidos de ministros, juízes e políticos do teatro das tesouras, a imprensa panfletária, os perdulários artistas festivos e militantes e as hordas de inócuos, deslumbrados e traídos patriotas desinformados e desatualizados que infestam as redes sociais. Claro, além dos eleitores, ignorantes inocentes úteis, e dos demais alienados que só olham para seus umbigos.

Um livro inteligente, atualíssimo, que deve ser lido, refletido e assimilado parágrafo a parágrafo. Nele descobrimos as “origens do Mal”, seus líderes e objetivos, os manipuladores e suas táticas, com o destaque para o uso da pandemia (Covid 19) e políticas de vacinação em massa (OMS) para indiretamente controlar governos, instituições, religiões e a população de modo geral, tendo o aliciamento e domínio da justiça, da educação, da mídia e das big-techs como a grande estrada.

Apesar de não ter a China como fulcro do debate, os autores subentendem nas entrelinhas a grande força desse país e seus afluentes. Assim, assimila-se que as três potências mundiais (a Nova Ordem Mundial – NOM no Ocidente; a Rússia - e a China – no Oriente) têm o mesmo objetivo de governar o mundo, todavia com estratégias bastante distintas. A dos Ocidentais (NOM) é a mais complexa e abastada; a dos Eurasianistas (Rússia e China), sendo a da Rússia, como sempre, a mais direta e brutal e a da China, a mais pragmática e eficiente.

Deste modo, claramente se constata que a China está presente nos quatro cantos do globo, dominando uma série de atividades estratégicas, enquanto os globalistas, através de inúmeras narrativas imundas, tentam o domínio gradual sem sujar as botas na lama. E os russos, como habitualmente, parecem o rinoceronte na loja de cristais, sem respeitar as barreiras para abater os donos, os funcionários e os clientes. Isso tudo inspirado no fascismo russo criado pelo ideólogo Alexandr Dugin, guru inspirador de Putin, que utiliza estrategicamente o ocultismo misturado a uma estética nazista para seduzir uma juventude cansada da burocracia ocidentalizante do governo russo pós-URSS.  

A partir da década de 1990, os russos continuaram utilizando as sujas artimanhas criadas pela KGB para prosseguir influenciando a maioria dos seus países satélites com algum sucesso. E isto nos faz refletir sobre os atos como o do governo de Lula da Silva em 8 de janeiro deste ano que infiltrou elementos maleficamente orientados para depredações visando incriminar e aniquilar os movimentos de direita persistentes pós eleições fraudadas, podendo acusá-los assim de terroristas. A diferença é que as operações da KGK nunca falharam, pois não são improvisadas e jamais deixaram rastros. Com os russos, quem não é bem sucedido, mesmo que minimamente, é morto “acidentalmente”. Por aqui, vira uma tragicomédia bufona e injusta.

Assim, o mundo hoje é constituído pelos ocidentais da NOM que acabam de lançar mais uma campanha de terror - pela mesma mídia militante e as big-techs que nos “informaram” sobre a Covid-19 e suas vacinas -, apregoando que essa guerra se trata de uma primeira investida dos russos de um projeto expansionista que utilizará se necessário armas termonucleares; e os eurasianos que acreditam e difundem que Putin está apenas iniciando uma cruzada na defesa dos valores conservadores contra um ocidente imoral e decadente, tendo a China como sua aliada.

Não existem mais essas narrativas idiotas de comunismo e socialismo e esquerda x direita. Isso é coisa de países subdesenvolvidos, como os do centro e sul americanos. São sistemas políticos superados, abandonados por disfuncionalidade e que passaram a ser coadjuvantes para as nações onde existem dinheiro, inteligência e força.


Também passam a ser histórias da carochinha, após a leitura desta obra, todos os conceitos maravilhosos impingidos à burguesa e maçônica Revolução Francesa e às demais derrubadas dos impérios germânico, austro-húngaro, otomano e dos czares russos, bem como o Iluminismo e a criação da ONU, berço do arrangement do movimento metacapitalista da oligarquia de bilionários que hoje domina e controla o mundo. Poucos no Ocidente estão realmente conscientes da realidade e do perigo representado pelo projeto (Agenda 2030) metacapitalista (ou Globalista) que apregoa falsamente a defesa da Liberdade e da Democracia.

Por seu lado, os eurasianos, liderados pelos russos, refletem as intenções de Putin de retomar criteriosamente suas antigas áreas de domínio em épocas de União Soviética – como é o caso da Ucrânia – sem deixar que o Ocidente (ou os Globalistas) passe a controlá-los.  Sempre com o falso argumento do resgate dos valores conservadores e da moralidade.

Este livro tem muita informação atualíssima, além de considerar bases históricas e geoeconômicas de fatos e, portanto, é muito difícil comentá-lo com poucas palavras. E não se limita apenas a considerar a guerra na Ucrânia. Na verdade é um verdadeiro compêndio – sem sê-lo – da História Contemporânea. Tem tudo que a gente precisa para ser o chato da rodinha ou o estraga prazeres; ou então, a cara que vai concentrar a atenção num círculo de pessoas mais cultas e independentes.

A guerra beneficia o Ocidente e sua NOM a partir do momento em que desvia a atenção de suas máculas, como as fraudes nas eleições norte americanas e brasileiras; a divulgação dos relatórios negativos sobre as vacinas e ações da pandemia; a fragilidade econômica manipulada a favor das oligarquias; a lenta, gradual e quase imperceptível degradação da educação e da cultura.

E quem paga a conta é a população mundial produtiva, ocupada em trabalhar para sobreviver e resolver seus problemas, sem se aperceber das sombras que os envolvem. Assim como as populações enredadas nos conflitos, que pagam com suas vidas, destruídas sem piedade, para alimentar a ânsia de poder de meia dúzia de psicopatas instalados nos tronos do mundo.

Na segunda parte do livro inicia-se um debate entre os autores, onde os mesmos fazem comentários e contestações das análises de cada um. É muito interessante, mas torna-se um pouco mais pesado na leitura. Mas, vale à pena, pois acabamos aprendendo bastante sobre história, política, religião e filosofia.

E então, o livro entra na fase de réplicas em sua segunda parte e torna-se um pouco chato por conta de contraposições teóricas que acabam levando-nos a trechos de leitura um pouco aborrecidos. Mas, sem deixar de trazer-nos revelações surpreendentes. Acredito que a grande ausência do livro – e talvez do próprio debate – é o fato de os autores debatedores não considerarem devidamente a força da China, presente nas principais localizações produtivas, de transporte e de comunicação no globo. Portanto, a terceira maior força econômica, política e militar do planeta fica fora deste importante debate sobre as grandes forças que lutam para dominar o mundo.

De qualquer forma, os autores debatedores convergem e defendem a preservação dos valores cristãos na sociedade. Seja qual for a tendência político-social prevalente, é fundamental que se mantenham esses valores para o equilíbrio no convívio entre os povos. São colunas fundamentais para sustentar a família, a história, a cultura e a religiosidade cristãs, as quais preservam os denodos combatidos tanto pelos globalistas como pelos eurasianistas.

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Valdemir Martins

07.05.2023 

Fotos: 1. capa do livro; 2. Zelensky, Macron (NOM) e Putin; 3. Os autores debatedores Derosa e Fagá; 4. Alexandr Dugin; 5. Bilderberg, o clube dos metacapitalistas; 6. O Federal Reserve; 7. Jeff Bezos; 8. Os Rothschild; 9. George Soros; 10. ONU; 11. Zuckerberg do Facebook; 12. O poderoso Xi Jinping; 13. Reunião do Foro de São Paulo; 14. Os poderosos narcotraficantes; 15. A dupla brasileira comandada pela NOM.

Obs: o livro pode ser lido virtualmente no site da Editora Danúbio: 
https://editoradanubio.com.br/catalogo/a-guerra-na-ucrania-e-a-nova-ordem-mundial/